Declaração de Direito Autoral

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Flavio Deckes

Historinhas do Brazil

1964-1985

Apresentação

A instalação do regime que suspendeu a democracia brasileira por quase três décadas completou 45 anos e pouco se comentou.

Um canal de TV mostrou o Museu da Ditadura com vítimas descrevendo as torturas sofridas na polícia política paulista, então Dops, hoje sede do museu.

Apareceram caras novas como o Alipio Freire e a Rose Nogueira, ex-torturados indignados porque a Folha publicou que tivemos uma "ditabranda" - uma ditadura muitissimo mais leve que no Chile, Argentina e Uruguai. O filho do metalúrgico Seixas descreveu de novo as torturas que recebeu ainda menino lá no prédio, e lembrou a morte do pai a pauladas numa das celas.

Não se quer lembrar o passado recente, não se viu nenhuma reflexão sobre essa tragédia brasileira. Nossa memória pode esquecer a violência perpetrada a partir de 64.

A brutalidade produz a paralisação coletiva 45 anos depois. Ou é o povo que não sabe o que é Democracia?

A familia Goulart teve que fazer em Montevidéu um ato para lembrar o aniversário de 45 anos da deposição do presidente eleito* Jango.

A ditadura terrorista ainda tem o poder de determinar aos vivos a memória permitida. Também não é para menos. Os principais colaboradores do regime militar estão por toda a máquina do estado.

A ironia é aquele delegado, ex-diretor da polícia política paulista, por vários anos supervisor da repressão aplicada nas celas do hoje museu.

Foi reeleito deputado federal. O Congresso tem vários colaboradores daquele regime, eleitos na democracia atual.
Não é a toa que um ministro daquele tempo declarou recentemente que os militares ajudaram a aperfeiçoar a democracia brasileira (?).

Já se disse que estamos perdendo a memória cotidiana do período. Perdemos para o novo oficialismo que reconta seletivamente a nossa história contemporânea.

Os responsáveis pelas instituições que cometeram os crimes se recusam a revelar a verdade sobre o que ocorreu no passado. Eles ajudaram a montar um estado policial que durou quase três décadas, durante as quais mais de 300 mil brasileiros foram fichados como inimigos da pátria.

Para os militares não houve crimes mas ações legais contra a luta armada promovida por um grupo com ideologia comunista.

Essa idéia moveu um grupo, tendo à frente o comandante militar do Leste, a celebrar em ato festivo no Clube Militar do Rio de Janeiro os 45 anos do golpe. Como parte da festa inauguraram placas com nomes de colegas mortos na luta contra a guerrilha urbana.

O ministro da Defesa condenou o ato, mas lembrou que vivemos na democracia e todos podem falar, até os equivocados. "Do meu ponto de vista isso é questão do passado", disse em Maceió.

Uma vítima, hoje psicóloga, explicou: os que morreram estavam a serviço de um Estado que cometeu crimes de lesa humanidade.

Estima-se em 426 o total de brasileiros mortos e desaparecidos por perseguição política e em mais de dois mil os torturados.

A luta dos democratas agora é contra a tática de esquecimento dos aliados da ditadura, de políticos e de importantes segmentos da sociedade. Tenta-se impedir a reconstituição da tragédia que se abateu sobre este país na segunda metade do século passado mas a Luz da História não vai deixar.
* naquela época a votação do vice era desvinculada

Impunidade é
ameaça
à Democracia

Entrevista do autor, Flavio Deckes

Por que o silêncio sobre as brutalidades daquele regime?
Há o silêncio dos torturadores e dos torturados. Trabalhei com um sujeito nos anos 70 e só outro dia soube que recebeu tortura. Assim como a Rose Nogueira e o Augusto Boal.

Com a morte recente do Boal soube-se que as sequelas da tortura ficaram por toda a sua vida. Ele não falava sobre isso. Foram mais de 2 mil os torturados e pouquíssimos tornaram isso público.
Medo, desejo de esquecer o terror?

Ou porque eles sabem que a nata daquele regime está aí, pronta para o bote na primeira oportunidade... Seus ex-agentes estão em toda a máquina do Estado, às vezes ocupando posições importantes.

Quem se sente seguro para contar a verdade?
Veja o caso do delegado que dirigia a policia politica paulista e supervisionava a repressão ao lado da estação da Luz. Foi eleito democraticamente duas vezes deputado federal apesar de seu passado negro.

Porque? Porque ficou impune dos crimes que cometeu e o povo está impedido de conhecer a verdadeira história do Brasil contemporâneo.

Por que nenhum torturador foi punido já que o golpe vai completar em breve meio século?
Porque eles gozam de imunidade.

Pensava-se que os crimes seriam revelados e punidos com a volta da Democracia. Por que isso não aconteceu?
Há um pacto de silêncio horripilante e nojento entre "direita" e "esquerda".

A Lei da Anistia é responsável pela impunidade da tortura ?
Claro que é. O general Figueiredo e os redatores daquele texto são gênios, embora do mal. Criaram uma lei que preservaria os agentes dos "orgãos de segurança" no futuro. Até hoje se discute no Congresso se a tortura pode ser punida ou se a Anistia beneficiou os dois lados.

O general comandante do Leste homenageou no Clube Militar os agentes que morreram em serviço. O que isso quer dizer?
Que existe um sistema que preserva as idéias que levaram ao golpe de 64 e que está pronto para "tomar as rédeas do poder" na primeira oportunidade.

Por que os arquivos das Forças Armadas não são abertos?
O sistema da nossa "ditadura clandestina" não deixa.

Por que tem gente honesta com saudade
dos militares no poder?
Porque eles não sabem das brutalidades e imoralidades praticadas com o pretexto de salvar o Brasil do comunismo. Essa história ainda não está nos livros escolares.

O livro Brasil Tortura Nunca Mais apontou dezenas de torturadores. Por que nada aconteceu já que tortura é crime sem prazo para vencer? Pode-se dizer que houve uma guerra e que houve baixas dos dois lados?
Mas os crimes de guerra são julgados pelo Tribunal Internacional. Aqui isso não ocorre porque há um pacto de silêncio firmado pelo Fernando Henrique e pelo Lula na Presidência da República. Eles não mexeram com isso para poder governar.

Ambos largaram a utopia de uma sociedade justa e trabalharam para desenvolver nosso sub-desenvolvimento. Outro dia o Delfim Neto, um dos signatários da aberração do AI 5, disse na TV que o Lula salvou o capitalismo brasileiro.


Que paralelo se pode fazer entre o genocídio de judeus e as vítimas da nossa última ditadura?
Que devemos preservar a lembrança da brutalidade para que não se repita.


Qual o significado do atentado frustrado do Riocentro em 1981, durante um show de música popular brasileira?
A extrema direita sofreu um duro golpe com a trapalhada do atentado no Riocentro. Os dois militares tinham carta branca para agir, tanto que aquele que sobreviveu saiu impune e foi promovido. O sistema está preservado para quando houver oportunidade.

Um ano antes, o mesmo material explosivo matou Lida Monteiro na OAB, também no Rio, mas nunca se ligou um fato ao outro. Se conhecem os crimes e os criminosos e não acontece nada, não há investigação oficial nem punições.

No seu livro se conta os atentados da AAB, VCC e Falange Pátria Nova em 1980, tão violentos que até mataram. Alguém foi indiciado e preso?
Não. Os detidos, quando há, apresentam a carteirinha de autoridade em comissão e são liberados. Essas "organizações" são ficção. São formadas pelas mesmas pessoas.

Por que a OAB ignorou a morte da secretária Lida Monteiro no atentado de 27 de agosto de 1980 reivindicado pela AAB?
Oportunismo próprio de advogados. A direção nacional quase sempre é representada por hipócritas e oportunistas que transacionam com princípios e se adaptam às circunstâncias para satisfazer interesses e ambições.

Qual é o objetivo do Blog Memória da Ditadura?
Usar o poder de lembrança para que um dia crimes e criminosos do período sejam julgados.
Outro dia o Jô Soares falou coisas importantes na Globo sobre aquela época. Lembrou o terror que era ter em casa um livro com capa vermelha. Mesmo que fosse um livro infantil. É o cotidiano que o MD quer resgatar também, para que o cidadão dê mais valor à Democracia.

Ah sei, vocês querem reabrir feridas..
Não queremos reabrir feridas mas autopsiar o cadáver do regime instalado em 1964. Depois disso vamos enterrá-lo.



Jurista analisa
o golpe e os
21 anos de
regime militar


Dr. Dalmo de Abreu Dallari
no prefácio do livro
Radiografia do Terrorismo no Brasil 66/80

"A história é mestra da vida, senhora dos tempos, luz da verdade. Essas belas palavras de Cícero contém um ensinamento e uma grave advertência. Elas nos dizem que aqueles que prestarem atenção aos ensinamentos da História aprenderão lições de vida que iluminarão o caminho que leva à verdade.

"Mas também advertem que a história é demolidora implacável dos belos e gloriosos tapumes que ocultam a realidade dos hipócritas, dos oportunistas dos que sem esforço transacionam com princípios e se adaptam a novas circunstâncias à busca de satisfação de seus interesses e de suas ambições.

"Esse livro é um testemunho da história. Pesquisando em livros e jornais, valendo-se de sua memória e de sua experiência, o autor reuniu dados que, no seu conjunto, darão às gerações futuras um retrato, cruel mas verdadeiro, do que foi o Brasil dos militares, senhores do dinheiro, tecnocratas e políticos oportunistas e corruptos que ocuparam o primeiro plano da vida brasileira partir de 1964.

"Detendo-se em alguns episódios marcantes desse trágico período o autor vai às minúcias de uma análise microscópica, assinalando nomes e fatos para a memória dos tempos.

"É provável que alguns, de boa ou de má fé, considerem inoportuna a publicação deste livro, por reabrir feridas aparentemente já cicatrizadas, por alimentar desconfianças e malquerenças, por sugerir vinganças.

"Deve-se reconhecer que, na realidade, alguns dos que participaram de episódios aqui relatados foram envolvidos pela mentira insidiosa ou pela distorsão terrificante que preparam o terreno para o golpe de 1964.

"Outros dirão que só desejaram o início e que não lhe teriam dado apoio se soubessem o que viria depois. E há também os que se converteram à democracia e ao humanismo quando souberam das brutalidades e imoralidades de toda sorte que se praticavam sob o pretexto de salvar o Brasil, dar segurança ao povo e promover o desenvolvimento econômico.

"Na realidade, porém, este livro não é um panfleto revanchista, como fica evidenciado pela serenidade, pelo comedimento e pela prudência do autor, perceptíveis em todos os capítulos.

"Por outro lado, é importante que as gerações futuras saibam que muitos brasileiros, como "aprendizes de feiticeiro", ajudaram a criar uma verdadeira máquina de terror, que fugiu ao seu controle e produziu milhões de vítimas, a maior das quais foi o próprio Brasil.

"Mas, além disso, é importante registrar para a história o comportamento de pessoas sem escrúpulos, sem barreiras éticas, sem respeito pela pessoa humana, que tudo aceitaram e tudo permitiram ou fizeram por ambição ou por intolerância.

"Muitos dos autores das façanhas terroristas relatadas neste livro ainda continuam por aí, às vezes até ocupando posições sociais e políticas de realce. Outros continuam ainda agindo dentro das instituições que lhes deram cobertura e recursos para a prática de crimes, o que se verifica especialmente quanto a policiais e militares, participantes dos ironicamente chamados "organismos de segurança".

"Alguns já escaparam pelos caminhos da aposentadoria ou da morte e já não constituem ameaça, mas é importante que fique estabelecida a verdade histórica do que foram e do que fizeram.
E há os que ainda permanecem na sombra e que talvez algum dia também sejam mostrados à luz da verdade para o julgamento da história.

"Este livro é uma contribuição importante para a historiografia brasileira e uma advertência para as gerações futuras. Com clareza, objetividade e responsabilidade o autor transmite aos seus leitores sua mensagem que é de paz, lembrando, através dos fatos, que a violência, o arbítrio, a intolerância política, a acomodação perante as injustiças impedem a construção de uma sociedade justa e a conquista da paz".



Bastidores da Marcha
da Família paulistana


Mais de um milhão de pessoas foram às ruas centrais de São Paulo no dia 19 de março de 1964, uma quinta-feira, para se manifestar contra o avanço do comunismo no Brasil.

Era a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um misto de passeata e procissão catolica.

19 de março é dia de São José, padroeiro da família. A massa saiu naquela quinta-feira às quatro da tarde da praça da República e chegou duas horas depois à Catedral Metropolitana, na praça da Sé.

Faixas, cartazes e palavras de ordem alertavam para o perigo comunista:

"Vermelho bom, só o batom",
"Verde, amarelo, sem foice nem martelo". *

A inspiração vinha do movimento Rosário em Família do padre Peyton contra as "manobras vermelhas".
Setores conservadores indignados com as "reformas de base" anunciadas na sexta-feira 13 pelo presidente João Goulart no comício da Central, no Rio, conseguiram fazer uma manifestação ainda maior.

A organização reuniu entidades femininas e religiosos católicos. O deputado Antônio Sílvio da Cunha Bueno, o publicitário José Carlos Pereira de Sousa e a freira Ana de Lourdes, sobrinha de Rui Barbosa, bolaram o formato de marcha-procissão.

Treze dias após a passeata paulista veio o golpe militar de 1964. As marchas da família, que se repetiram em Santos, no Rio e em várias cidades passaram a se chamar "marchas da vitória". A marcha do Rio, em 2 de abril, reuniu 1 milhão de pessoas.

A mobilização serviu para a definição de Revolução explicada no Ato Institucional número 1.

Esse primeiro ato institucional "legalizou" a coisa toda e teve como redator principal Francisco Campos com ajuda de Pedro Aleixo. Diz o preâmbulo

É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro.

O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.
(...)
A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte.
(...)
Os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte de que o Povo é o único titular.

Ainda muito pouco estudadas, estas Marchas abalaram a coesão do dispositivo militar do governo constitucional, garantiram uma base social sólida para a instalação da ditadura. E deram ao golpe de estado o caráter de movimento civil e militar.

* Verso criado pelo poeta Guilherme de Almeida para o evento.


Livro de Ouro

A organização do movimento “Marcha da Família” publicou um Livro de Ouro. Seguem os nomes dos homenageados, na ordem em que são citados:

Leonor Mendes de Barros
Irmã Ana de Lurdes
José Carlos Pereira de Sousa
Cunha Bueno
André de Faria Pereira Filho
Sebastiana de Almeida Prado
Julio de Mesquita Filho
Assis Chateaubriand
Salvio de Almeida Prado
Rosita Pedutti Nogueira
General Agostinho Teixeira Côrtes
Edy Cunha Bueno
Herbert Levy
Laudo Natel
João do Amaral Neto
Conceição da Costa Neves
Maurício Loureiro Gama
Joaquim Procópio de Araújo
Eduardo de Souza Queiroz
Rafael de Sousa Noschese
José Lemos
José Carlos Wagner
Mildred Lemos
Hipólito Silva
Eduardo de Sousa Queiroz
General Ary Mota de Azevedo
José Lemos
Geraldo dos Santos
Murilo de Sousa Reis
Com. Penido Burnier
Roberto de Abreu Sodré
Com. Rui Teixeira Mendes
Gaspar Camargo
Magaly Whittle
Margareth Beeby
Nisa Figueiredo
Helena Aguiar
Anna Soares Pinto
Grace Ulhoa Cintra
Regina Silveira
Guiomar Ulhoa Cintra
Acyr Guisard
Dora Silvia Cunha Bueno
Ademir Ramos
André de Faria Pereira Filho
Francisco Villela
Odete Villela
Marcos Villela
Sergio Villela
Juvenal Sayon
Frei Celso de São Paulo
João Paladino
Eduardo da Silva Cardoso
José Teles dos Santos
Adolfo Pizzarro
João Rosa
Luís Pereira da Silva
Estela Andraus
Rabino Fritz Pinkuss
Guilherme de Almeida
Otávio Mamede Jr.
Gabriel Pinheiro da Cruz
Carlos Alberto Morais Guerra
Caio Cobra
Beatriz Whately Thompson
Oscar Thompson Filho
Ricardina C. Fonseca
Caio Pompeu de Toledo
Maria Cecília Raposo Ferreira
Luis Fernando Ferreira
Rubens Matta de Sousa Campos Filho
Renato Ribeiro
Alberto Malta de Sosa Campos
Pedro Luís Carvalho de Campos
Antonio Carlos Ferreira
Senador Padre Calazans
Cyro Albuquerque
Bernardes de Oliveira
Augusto Inácio Bravo
Mauro Garcia
Luiz Emanuel Bianchi
Carlos Engel
Auro Soares de Moura Andrade
Helase Ferraz de Camargo
Amália Ruth Schmit de Oliveira
Maria Pacheco Chaves
Waldemar Ferreira
Arnaldo Cerdeira
João Batista Leopoldo de Figueiredo
Armando Corrêa de Siqueira
Dulce Sales da Cunha Bueno
Maria Isaltina de Almeida Prado
Paulo Lacerda Quartim Barbosa
Theodoro Quartim Barbosa
Maria Mesquita da Motta e Sllva
Vera Prado
Elda Marques Ferreira da Silva
Diva Castro
Nize Sampaio
Sônia Gardenberg
Mons. Manuel Pestana
Maria Paula Caetano da Silva
Márcia Guimarães Malta
Rubens de Moura Leite
Guilherme de Almeida
Antonio Feliciano
José Nunes
Frei Henrique Maria de Pirassununga
Ilza Figueiredo
Regina Passos Silveira
Márcia Guimarães Malta
Marina de Nioac
Everardo de Magalhães
Amélia Bastos

O Livro de Ouro traz também os nomes das entidades que aderiram ao movimento. O texto é o que segue:

Entidades democráticas
de São Paulo
que aderiram à
Marcha da Família
com Deus pela Liberdade

Ação Brasileira de Cultura Democrática
Ala Paulista de Luta-Anti-Tuberculose
Aliança Democrática Brasileira
Aliança Eleitoral pela Família
Assistência Social “Dm Leonor Mendes de Barros”
Associação dos Advogados Democratas
Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos
Associação Casa do Pequeno Trabalhador
Associação Cívica Feminina
Associação Colmeia
Associação Colsan
Associação de Combate ao Câncer
Associação Comercial de São Paulo
Associaçao Cristã de Moços
Associação Cruz Azul
Associação Cruz Verde
Associação das Damas de Caridade de São Vicente de Paula, SP
Associação das Enfermeiras do Hospital das Clínicas
Associação dos Estudantes Democratas
Associação de Estudos Pedagógicos e Sociais
Associação das Famílias Rotarianas de São Paulo
Associação Paulista de Assistência aos Doentes de Lepra
Associação Paulista dos Ex-Dirigentes Universitários
Associação Paulista de Propaganda
Associação Santa Teresinha
Associação Santo Agostinho
Associação das Senhoras Evangélicas
Associação dos Sorotimistas
Associação dos Veteranos de 1932 – MMDC
Bandeira Paulista Contra a Tuberculose
Bolsa de Mercadorias de São Paulo
Campanha de Educação Cívica
Centro Acadêmico Pereira Barreto
Centro Cívico de Cultura Política da Lapa
Centro do Comércio de Varegistas de Gêneros Aimentícios de
São Paulo
Centro de Defesa Democrática
Centro Democrático das Domésticas do Jardim Pasulista
Centro Democrático dos Engenheiros
Centro Democrático dos Engenheiros Agrônomos de S. Paulo
Centro José Bonifácio
Círculo Operário Casa Verde
Círculo Operário CEDO – Lareira
Círclo Operário Central
Círculo Operário dos Empregados Domésticos do Itaim (Bibi)
Círculo Operário Dos Empregados Domésticos do Jardim Europa
Círculo Operário dos Empregados Domésticos do Jardim Paulistano
Círculo Operário de Ermelindo Matarazzo
Círculo Operário de guiaiauna
Círculo Operário do Ipiranga
Círculo Operário de Jaboticabal
Círculo Operário da Moóca
Círculo Operário Nossa Senhora dos Remédios
Círculo Operário de Osasco
Círculo Operário da Penha
Círculo Operário de Pinheiros
Círculo Operário de Santo Amaro
Círculo Operário de Tatuapé
Círculo Operário de Vila Ema
Círculo Operário de Vila Formosa
Círculo Operário de Vila Guilhermina
Círculo Operário Vila Hamburguesa
Círculo Operário de Vila Prudente
Círculo Operário Santana
Club dos Lojistas de São Paulo
Commonwealth Relações Públicas
Confederação das Famílias Cristãs
Convivios – Sociedade Brasileira de Cultura
Cruz Vermelha Brasileira – Seção de São Paulo
Federação das Associações de Pais e Mestres
Federação das Associações Rurais do Estado de S. Paulo
Federação dos Círculos Operários de São Paulo
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
Fraterna Amizade Cristã Urbana e Rural – FACUR
Frente Anti-Comunista
Frente Estudantil do Estado de São Paulo
Grupo de Ação Católica
Grupo de Ação Patriótica
Instituto de Debates e Ação Social – IDÉAS
Instituto de Formação Social – Curso de Liderança Sindical
Instituti de Pesquisas e Estatística Social – IPÊS
Instituto Universal do Livro
LAREIRA – Instituto a Serviço da Família
Legião Brasileira Anti-Comunista – LBAC
Liga da Ação Democrática
Liga Cristã Contra o Comunismo
Liga das Enfermeiras de São Paulo
Liga das Enfermeiras Voluntárias
Liga da Independência Democrática
Liga Independente pela Liberdade
Liga Operário Católica Feminina
Liga Operária Feminina
Liga do Professorado Católico
Liga do Professorado Paulista
Liga das Senhoras Católicas de São Paulo
Liga das Senhoras Católicas
Movimento de Arregimentação dos Estudantes Democráticos – MAED
Movimento de Arregimentação Feminina – MAF
Movimento Cívico Evangélico
Movimento Estudantil Democrático – MED
Movimento Estudantil de São Paulo
Movimento Presbiteriano Jardim das Oliveiras
Movimento de Resistência Acadêmica
Movimento Sindical Democrático
Oficinas de Caridade Santa Rita
Partido de Representação Acadêmica
Rede Feminina da Associação Paulista de Combate ao Câncer
Rede Independente Democrática
Sociedade Rural Brasileira
Uniião Cívica Feminina
União Democrática e Assistencial – UNIDAS
União Independente Democrática



O Último Discurso

No comício da Central do Brasil, no Rio, a uma platéia de 300 mil pessoas, a 19 dias da queda, o presidente João Goulart anunciou as reformas de base que implantaria:

limitação dos aluguéis urbanos, nacionalização de refinarias privadas de petróleo, expropriação de terras próximas a estradas para reforma agrária, revisão da lei de remessa dos lucros de empresas estrangeiras para suas matrizes.

Em primeiro de abril, tropas se deslocam de Minas Gerais para o golpe. No dia seguinte, dizendo que não queria ver sangue, João Goulart sai pela fronteira com o Uruguai.

O general Zerbini tentou levantar sua tropa no Vale do Paraíba para barrar os golpistas que vinham de Minas. Foi preso e reformado.

Ainda com o presidente constitucional no país, o Congresso empossa um governo provisório, imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos.

Uma semana depois de tomar o poder, as Forças Armadas proclamam o primeiro ato institucional que fecha o Congresso e invocam "poderes revolucionários". Estava instalada a administração militar responsável por governos não eleitos pelo povo nas duas décadas seguintes.

A 15 de junho os direitos políticos de 378 pessoas haviam sido cassados, incluindo três presidentes da República eleitos pelo voto - Kubitschek, Quadros e Goulart ( o vice-presidente recebia votos em separado), bem como de seis governadores, 55 parlamentares, diplomatas, líderes trabalhistas, oficiais militares, intelectuais e funcionários públicos.

Aos acusados era negado o direito de defesa.

De 1 de abril de 64 a 1 de abril de 65, 10 mil funcionários públicos foram demitidos e cinco mil investigações envolvendo 40 mil pessoas corriam nas famigeradas comissões gerais de inquérito presididas pelo general Taurino de Resende, segundo o Correio da Manhã.


O que é bom para os EUA
é bom para o Brasil

O apoio dos Estados Unidos começou a ser recompensado nove meses depois da derrubada de Jango. Uma nova política entreguista de minérios privilegiou a mineradora Hanna.

O caso foi rumoroso na época. A empresa teve suas concessões anuladas em 61 e a medida se cumpriu em 4 de junho de 62 sob o governo de João Goulart.

Agora a orientação de Castelo Branco era favorável à corporação. O privilégio concedido revoltou até os aliados-conspiradores Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, governadores de Minas e do Rio.

Apesar das denúncias e protestos, a multinacional foi favorecida pelo decreto assinado em 22 de dezembro de 64 por Castelo Branco e podia levar o minério mineiro a preço de banana com exclusividade.


Garantia dos
Investimentos


A opinião pública se abalou de novo em fevereiro de 65, com a assinatura do Acordo Sobre Garantia de Investimentos Privados entre Brasil e Estados Unidos da América.

Para ganhar a confiança externa o acordo previa na essência proteger as corporações contra riscos, como dificuldades em captar dólares aqui para enviar à matriz, ou contra desapropriações.

Na divergência, a última instância seria um tribunal especial com juízes indicados pelos EUA e não o Supremo Tribunal Federal.

Cartas

I

Carta de Florestan
Fernandes

São Paulo, 9 de setembro de 1964
Senhor Tenente Coronel

Há quase 20 anos venho dando o melhor do meu esforço para ajudar a construir em S. Paulo um núcleo de estudos universitários digno desse nome. Por grandes que sejam minhas falhas e por pequena que tenha sido minha contribuição individual, esse objetivo constitui o principal alvo de minha vida dando sentido às minhas atividades como professor, como pesquisador e como cientista.

Por isso, foi com indisfarçável desencanto e com indignação que vi as escolas e os institutos da Universidade de S. Paulo serem incluídos na rede de investigação sumária, de caráter policial-militar, que visa a apurar os antros de corrupção e os centros de agitação subversiva no seio dos serviços públicos mantidos pelo governo estadual.

Não somos um bando de malfeitores. Nem a ética universitária nos permitiria converter o ensino em fonte de pregação político-partidária. Os que exploram meios ilícitos de enriquecimento e de aumento do poder afastam-se, cuidadosa e sabidamente, da área do ensino (especialmente do ensino superior).

Em nosso País, o ensino só fornece ônus e pesados cargos, oferecendo escassos atrativos mesmo para os honestos, quanto mais para os que manipulam a corrupção como um estilo de vida. Doutro lado, quem pretendesse devotar´se à agitação politico-partidária seria desavisado se cingisse às limitações insanáveis que as relações pedagógicas impõem ao intercâmbio das gerações.

Vendo as coisas desse ângulo (e não me parece que exista outro diverso) recebi a convocação para ser inquerido 'policial-militarmente' como uma injúria, que afronta a um tempo o espírito de trabalho universitário e a mentalidade científica, afetando-me tanto pessoalmente, quanto na minha condição de membro do corpo de docentes e investigadores da Universidade de S. Paulo.

Foi com melancólica surpresa que vislumbrei a indiferença da alta administração universitária diante dessa inovação, que estabelece nova tutela sobre a nossa atividade intelectual (...).

II
Carta de Paulo Duarte a um jornal
sobre a prisão de Mario Schenberg

(...) quero deixar bem claro que o meu protesto contra as arbitrariedades que vêm sendo cometidas pela polícia contra universitários e contra a Universidade, arbitrariedades que constituem mesmo um atentado contra as idéias, em nome das quais, como se publica, foi desencadeado o movimento vitorioso.

Vou desenrolar a lista a partir dos casos mais complexos. Compreendo perfeitamente que, num momento destes, possa a polícia política prender um professor universitário, como o sr,. Mario Schenberg.

Este cientista nunca escondeu as suas idéias, nunca negou as suas convicções e as suas ligações com o Partido Comunistaembora ninguém possa afirmar ter ele a qualquer momento, dentro da Universidade, como professor,desenvolvido qualquer ação de proselitismo.

Dada porém a sua posição ideológica, num instante em que as sanções atingem mesmo vultos de alta envergadura moral e intelectual, sem nenhuma atuação de político militante, como Celso Furtado e Anísio Teixeira, compreende-se que a polícia política de S. Paulo leve para a prisão o professor Mario Schengerg.

O que não pode passar pela cabeça de nenhum homem de bem, mesmo dos que ocupam posição alta na situação presente, é que, para prender-se aquele professor tivesse sido necessário depredar a sua biblioteca, objetos de arte, como quadros que guarneciam a sua casa, sob o pretexto de 'procurar planos subversivos', como alegou o delegado que que presidiu a diligência e permitiu que tudo se fizesse sob os seus olhos.

E também não se pode compreender que não se autorizasse ao preso, surpreendido em sua casa a altas horas, ao menos se vestisse convenientemente, e não removê-lo para o Dops, de pijama como se encontrava.

Mais ainda. Tanto ao reitor em exercício, quanto ao diretor interino da Faculdade de Filosofia não foi permitido se avistassem com o professor detido., pois se não podia a Universidade solidarizar-se com as causas que o levaram à prisão, não podia também deixar de prestar toda a assistência a um de seus docentes, num momento difícil, fosse qual fosse o motivo que tivesse provocado essa prisão. Quer dizer, a polícia de S. Paulo negou à Universidade a grande autoridade moral que a sociedade, por todos os seus orgãos, lhe deve (...).



Ditadura Secreta

A ditadura clandestina ou governo militar secreto era
formada por setores das Forças Armadas que queriam
mais rigor contra os inimigos do regime.

Os radicais de alta patente remuneravam regiamente os encarregados das ações terroristas planejadas por eles, usando siglas fictícias para indicar a autoria.

Mostravam com os atentados sua insatisfação contra pessoas e instituições que a repressão oficial não podia ou não queria alcançar.

Através da violência indicavam também o caminho a seguir.

Um exemplo claro. No governo Medici - quando foi maior o número de casos de tortura e desaparecimento de combatentes da Democracia - os atentados somam dois, contra o humor do jornal O Pasquim.

As ações: pichação e empastelamento. Depois, todos da redação ficaram presos alguns dias. Os agentes da ditadura clandestina também se ocupavam de ações da repressão oficial.

No período Figueiredo, marcado pela decretação da Lei da Anistia, a qual eram contra, a conta chega a 41, com assassinato e sequestro.

Atentados "leves" como pichações, explosão de bombas fracas, depredação e ameaças eram geralmente assinados pelas siglas GAC, FUR, MAC, MRN. Exceção é o período Costa e Silva.

Quando o atentado era assinado pelas siglas AAB, FPN, VCC, indicava sequestro, morte ou prejuízo material elevado provocado por bombas potentes só disponíveis nos quartéis do Exército.

Exceção é a trajetória da sigla CCC. Sua primeira aparição foi em 63, no atentado ao ministro de Goulart, Pinheiro Machado, no largo S. Francisco em SP. Policiais civis e militares estavam no grupo.

Depois a sigla reapareceu com força total em 68, integrada por estudantes, com cobertura e municiamento policial. A ditadura clandestina também usou a sigla algumas vezes até 80 para a autoria de mais ações violentas.


Em seguida, um paralelo entre os governos do regime oficial, os atentados terroristas de extrema direita e os fatos políticos marcantes que levaram ou que resultaram nas ações.

Castelo Branco – 64/67

2 atentados

Fatos do período: Edição dos Atos Institucionais 2, 3 e 4

Costa e Silva – 67/69

26 atentados

- Dois assassinatos
- Quatro sequestros
- Espancamento
- Bombas

Siglas usadas: CCC, MAC, FUR

Fatos do periodo: Protestos de estudantes nas ruas e de parlamentares no Congresso pela Democracia.
Edição do AI 5 e endurecimento total do regime militar.

Medici – 69/74

Apenas pichação e empastelamento do jornal humorístico carioca O Pasquim. Logo em seguida a ditadura oficial prendeu todos da redação como complemento à intimidação.

Sigla usada: CCC

Fato do período - Criação da Oban, CODI-DOI.

Entre 70 e 75 não há notícia de atentados de extrema direita mas no período desapareceram 47 brasileiros e
72 morreram em câmaras de tortura, nas contas do
Comitê Brasileiro pela Anistia.

Geisel – 74/79

17 atentados

- Três sequestros
- Bombas das Forças Armadas na ABI e OAB
- Pichação
- Agressões
- Depredação
- Invasão
- Metralhamento
- Bombas

Siglas usadas : AAB, MAC, GAC

Fatos do período - Início da "lenta e gradual" abertura política, a qual os radicais de direita eram contra. Crise internacional do petróleo

Figueiredo -79/85

41 atentados

- Um assassinato
- Um sequestro com agressão
- Cartas bomba
- Depredação
- Ameaças
- Agressões
- Incêndio
- Pichação
- Metralhamento

Siglas usadas: MRN, CCC, FPN, VCC

Fato do período: Decretada a Anistia Ampla, Geral e Irrestrita (?)

Umas e outras

As siglas funcionavam numa espécie de divisão de trabalho - para simples pichações eram umas, para ações violentas eram outras, exceto no caso do CCC.

Os componentes dos grupos eram os mesmos em cada período, embora as siglas fossem diferentes: integrantes dos "orgãos de segurança ", policiais, caceteiros e individuos desclassificados, todos bem remunerados.

Para cada ação preparava-se a logística de cobertura. Conclui-se que eram vários os envolvidos.

A única identificação positiva foi, por ironia, no atentado que não deu certo, no Riocentro, em 1981. A imprensa em relativa liberdade chegou a tempo para fotos e reportagem: a logística de proteção aos militares-terroristas também falhou...

O artefato explodiu no colo do sargento Rosário quando era manipulado para ser instalado no quadro de energia do local, durante um show de música popular brasileira a favor da Democracia.

Além do sargento que morreu despedaçado dentro de automóvel Puma, participou da ação um tenente, hoje coronel do Exército Brasileiro.

Todos os que participaram desses atos terroristas ficaram impunes, alguns foram promovidos a posições importantes, trabalham até hoje na máquina do Estado ou se aposentaram.

A força da grana

Analisemos agora de onde vinha a " remuneração" aos elementos convocados pela ditadura clandestina em cada período de governo militar.

Uma das razões do silêncio é que com o dinheiro ganho no "negócio da tortura e do atentado" comprava-se casa, carro, apartamento, viajava-se ao exterior ou montava-se
um bom negócio. O silêncio era bem remunerado.

Dona Eunice Paiva, esposa do deputado federal Rubens Paiva, até hoje desaparecido, ouviu de um torturador que "com o dinheiro ganho no negócio" poderia mandar os filhos para estudar na Suiça.

Uma evidência de que o SNI participava da ditadura clandestina deu a Veja, no momento mais violento do regime militar.
O general chefe, com fama de linha duríssima, disse que triplicou o seu orçamento no período Medici, e que a maior "verba" era gasta com... informantes.

Como tudo era secreto e sem qualquer controle, não se sabe o que a agência de espiões fazia com os milhões vindos dos impostos pagos por nós.

Outra evidência de que se sabia o que cada um fazia foi dada pelo Estadão, quando uma bomba foi jogada pela AAB no Cebrap em setembro de 76.

O instituto de pesquisa era dirigido pelo sociólogo
Fernando Henrique Cardoso.

O secretário de "Segurança" de S. Paulo, coronel PM Erasmo Dias, conhecido radical da época, informou ao governador Paulo Egídio Martins que "mandou parar com as bombas".
O industrial Severo Gomes ouviu a conversa e a revelou ao jornal.


Escola Superior
de Guerra
berço de
ditadores

No primeiro período da ditadura a ESG fornece o presidente (Castello Branco), o chefe do SNI ( Golbery do Couto e Silva ), o chefe da Casa Militar ( Ernesto Geisel) e o ministro do Interior (Cordeiro de Farias).

No poder, seus dirigentes estimulavam o endurecimento e tinham como estratégia derrotar o poder civil.

Suas figuras destacadas estão sempre nos postos chave, como na reunião do alto comando (15/9/69) que indicará o sucessor de Costa e Silva: apenas um dos três integrantes não pertencia ao orgão.


Teóricos Europeus da
Escola Superior
de Guerra

Adolf Hitler (1889-1945). Um dos ditadores mais poderosos do século passado. Fez do ódio aos judeus e aos comunistas sua propaganda e política para tornar o nazismo um movimento de massas. Suicidou-se em Berlim, em 30 de abril de 1945.

Benito Mussolini (1883-1945) Governou a Itália de 1922 a 43. Fundou o primeiro grupo político fascista. Aliou-se à Alemanha de Hitler durante a II Guerra. Fuzilado por membros da Resistência italiana.

António de Oliveira Salazar (1889-1970). Governou Portugal sob um regime ditatorial (32-68). Elaborou uma nova constituição para o Estado Novo, estabelecendo regime de partido único. Implantou a censura e reprimiu a oposição com sua polícia política.
O Movimento das Forças Armadas (MFA), formado por jovens oficiais, depôs o governo a 25 de abril de 74 . O cravo oferecido à população queria dizer que se devolvia ao povo português o gesto e a palavra.

Francisco Franco (1892-1975). Militar e político
espanhol, chefe de Estado (1936-75) responsável pelo
regime autoritário que se iniciou durante a Guerra Civil
(36-39) e terminou com a sua morte.

Devido a longa duração (quase quatro décadas), o Estado passou de "ditadura pessoal", "totalitarismo autoritário", "pluralismo limitado" a "democracia orgânica".
A ideologia franquista era antiliberal, anticomunista, anti-republicana, nacionalista.


O "Comando Supremo"
da Ditadura e o
Ato Institucional número um

Esse primeiro ato institucional "legalizou" a coisa toda e teve como redator principal Francisco Campos com ajuda de Pedro Aleixo. Diz o preâmbulo

É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro.

O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.

E a "peça jurídica" continua

A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte.

E mais

Os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte de que o Povo é o único titular.

O AI número um aproveita para "aperfeiçoar" a Constituição de 46

na parte relativa aos poderes do presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica financeira.

O presidente ditador também deveria

tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas.

Adiante, deixa claro quem manda agora

Fica, assim, bem claro que a revolução não procura se legitimar através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as
revoluções, a sua legitimação.


O AI número Um definiu também o calendário para a indicação de Castelo Branco à presidência da República e tratou dos expurgos

No interesse da paz e da honra nacional e sem as limitações previstas na Constituição, os comandantes-em-chefe que editam o presente Ato poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos.

Também inovou na criação de um dispositivo constrangedor para os parlamentares - o decurso de prazo.

O presidente da República poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei sobre qualquer matéria, os quais deverão ser apreciados dentro de 30 dias a contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados e igual prazo no Senado Federal; caso contrário, serão tidos como aprovados.

A não apreciação de um projeto o aprovava automaticamente! Para dar maior agilidade, o A I dispunha também que

O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a apreciação do projeto se faça em 30 dias em sessão conjunta do Congresso Nacional.


Carlos Lacerda,
de aliado civil a inimigo

Carlos Lacerda seria o nome natural se os militares escolhessem um civil para a presidência da República.
Ele foi de grande valia na conspiração.

Mas os 107 generais do "colégio eleitoral" do Exército no Conselho de Segurança Nacional queriam continuar no poder escolhendo um de seus pares. As liberdades democráticas eram inadequadas para a realidade brasileira.

Sete meses após o golpe, no qual foi um personagem chave no governo do Rio, Lacerda formalizava o rompimento com os militares em discurso pela TV, na qualidade de chefe civil da oposição revolucionária.
A 9 de outubro era proibido pelo Conselho de Segurança Nacional de falar em rádio e TV.


Inconformado com os rumos "do movimento", em 67 Lacerda articulava com o próprio arqui inimigo João Goulart o Pacto de Montevidéu, o mesmo que já firmara em novembro de 66 com o ex-presidente Juscelino em Lisboa.

No programa mínimo da chamada Frente Ampla estava uma Constituição democrática com a harmonia e independência dos poderes, a pluralidade partidária, o direito de greve e eleição direta para presidente da República.

A Frente Ampla foi proibida pelo ministério da Justiça em 5 de abril de 68 e Lacerda ameaçado com o AI 2 (que já tinha expirado...) se não se calasse.
A atividade política ficava assim proibida até a quem não teve os direitos políticos suspensos e por um decreto que não vigorava mais.


Em palestras pelo País em recintos fechados, Lacerda fazia também a defesa da Anistia e denunciava a política econômica adotada por Castelo Branco e Costa e Silva como antinacional.

A 13 de dezembro de 68 Lacerda era atingido pelo AI 5 e perdia os direitos políticos por 10 anos, só que ele morreu antes de recuperá-los.

Verbete
Carlos Frederico Werneck de Lacerda, (1914-77), jornalista e político, nasceu em Vassouras, Rio de Janeiro, a 30 de abril de 1914, e faleceu a 21 de maio de 77.
Fundou e dirigiu o jornal Tribuna da Imprensa, de oposição ao governo Getúlio Vargas. Ligado ao Partido Comunista na juventude. Deputado federal (55) e líder da oposição ao governo Juscelino Kubitschek (59), foi um dos líderes da União Democrática Nacional - UDN.
Governou o então estado da Guanabara (1960-65) e apoiou o golpe militar, rompendo depois. Liderou a "Frente Ampla", que procurou unir os opositores ao regime militar. Obrigado a se afastar da política, dedicou-se à sua Editora Nova Fronteira.


Constituição Militar
de 67, 'discutida'
e promulgada
em 43 dias...

A 24 de novembro de 66 os partidos foram extintos e instalou-se o bipartidarismo com a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Treze dias após a extinção dos partidos, a Constituição Militar começou a tomar forma
com o Ato Institucional 4. Dizia o preâmbulo:

ao atual Congresso Nacional,
que fez a legislação ordinária da
Revolução, deve caber também a
elaboração da lei constitucional do
Movimento de 31 de março de 64.

O "Congresso Constituinte" "era convocado" a se reunir de 12 de dezembro de 66 a 24 de janeiro de 67 para discutir, votar e promulgar, em 43 dias, o projeto apresentado pelo executivo! Os prazos foram cumpridos.

A Carta consolidava e ampliava os dispositivos dos atos institucionais e introduzia emendas à Constituição de 46 desfigurando-a.

As aberrações jurídicas em cada ponto do texto provocaram protestos generalizados, engrossados até por parlamentares aliados.

A verdade é que os militares queriam
um documento legitimado na forma
de Constituição com o carimbo do
Congresso Nacional



Sucessão de Costa e Silva

Exército jogava sujo
com as Forças Armadas,
acusa a Marinha

Em manifesto, um almirante apontou que
a sucessão estava na verdade sendo
decidida por um “colégio eleitoral” de
107 generais do Exército.

“As tropas eram mantidas a distância pelo
semi-segredo da operação
a custa de decisões tomadas
em reuniões secretas da cúpula de uma
Arma” dizia documento assinado pelo
almirante Ernesto Melo Batista

O manifesto lançado a 2 de outubro de 69 também fez um diagnóstico da situação do país após cinco anos de administração militar. Trecho do documento apontando que havia:

- situação econômico-financeira preocupante, agravada por uma política distorcida, que tornava a União cada vez mais rica e o povo cada vez mais pobre

- a descapitalização da iniciativa privada, com número crescente de falências, concordatas, protestos, transferência de controle acionário de indústrias básicas para grupos estrangeiros

- o empobrecimento alarmante da agricultura e do povo a ela ligado

- a amargura nos meios operários, submetidos a um custo de vida muito superior em elevação ao aumento de salários

- o processo de pré-guerra revolucionária que encontrava receptividade no seio da população

- a insatisfação nos meios estudantis, apenas contida no momento pela prisão ou exílio dos líderes

- a eliminação dos quadros políticos e das lideranças populares, não apenas pelo imperativo do processo revolucionário, mas simplesmente para facilitar o controle estadual por parte de determinados grupos

- a desmoralização e marginalização proposital dos políticos, de forma a entregar o governo da nação exclusivamente aos militares.


Marinha Ganha Espaço

O documento do almirante provocou a edição de um ato institucional para sua punição.

O AI 17 de 14 de outubro de 69 permitia transferir para a reserva militares que, embora com serviços prestados, atentassem "contra a coesão das Forças Armadas".

Atingido pela primeira aplicação do AI 17, Melo Batista foi transferido para a reserva pelo período de um ano.

Mas o protesto deu frutos e o vice de Medici na presidência seria o Almirante Augusto Rademacker, representando a Marinha...


22 Atentados de
extrema direita
antecedem
o AI 5 em 68

São Paulo, Rio, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Sul tiveram alvos no semestre em que o regime fechou o Congresso e ampliou a perseguição política.

Em S. Paulo a 18 de julho atores da peça Roda Viva de Chico Buarque foram espancados e o teatro Galpão depredado pela sigla CCC.

A 2 e 3 de outubro o prédio da Faculdade de Filosofia da USP ra destruído a bombas e um estudante morreu a tiro. No dia 5 sequestraram a atriz Norma Benguel e a levaram a um quartel do Exército no Rio de Janeiro.

Lá, bomba dera prejuízo à Associação Brasileira de Imprensa em julho e em outubro à editora Civilização Brasileira.

Em Porto Alegre, mais atores de Roda Viva foram sequestrados em outubro.

A 12 de dezembro a Câmara dos Deputados não dá licença para processar Marcio Moreira Alves por ofensa às Forças Armadas.

No dia seguinte o Conselho de Segurança Nacional baixa o AI 5, fecha o Congresso e aprofunda a repressão.


O clima para o AI 5
foi preparado.
E os estudantes escolhidos
como alvo tático para acirrar
os ânimos e justificar
mais repressão.

O ministro Gama e Silva, autor do texto, explicava que a guerra revolucionária e seus atos de subversão (eram de extrema direita..) cresciam cada vez mais.

Com o texto do AI 5 nas mãos há tempos, Gama e Silva preparou o clima para justificar mais repressão. Os estudantes foram escolhidos como alvo tático. A equipe do CCC inspirada por ele em S. Paulo tinha alunos de Direito da Universidade Mackenzie, radicais de direita da USP e policiais.

Como ministro da Justiça, Gama e Silva notabilizou-se por trazer sempre à mão o rascunho de um elenco de medidas de endurecimento da repressão política, o que acabou vingando em 13 de dezembro de 68 com a edição do Ato Institucional 5, que vigorou até 79.

A 18 de dezembro de 68 o ministro da Fazenda Delfim Neto declarava à imprensa que o AI 5 permitiria "tomar as medidas necessárias no sentido de reduzir o déficit do Tesouro e conter o processo inflacionário".

E Costa e Silva completava no dia seguinte, na Escola Superior de Guerra, que o governo teria com o AI 5 melhores condições para executar seu programa econômico.

Ou seja, mais repressão
era bem vinda e esperada...


Herói Abandonado

Ele fez carreira na polícia política.
Ainda estudante, já tinha escolhido
o que combater – o comunismo.

Década de 60
Na faculdade juntou-se aos seus iguais e integrou
um grupo radical batizado CCC anos antes, no governo
Adhemar de Barros em S. Paulo.

O seu auge como cececista se deu em 68, quando conheceu pessoalmente o ministro da Justiça.

Uhau, como o grupo era importante.

A missão - "extirpar o bolsão comunista dentro da Faculdade de Filosofia da USP na rua Maria Antonia".

A sensação era de poder tudo, afinal tinham proteção federal e estadual e promessa de bons empregos no estado policial.

Detalhes foram acertados na Cervejaria München da al. Santos, onde o grupo se reunia sempre.

Como era boa pontaria, ficaria com o fuzil de precisão em cima do telhado do Mackenzie.

A idéia do ministro era acirrar os ânimos e aproveitar a visita do presidente Costa e Silva a S. Paulo para tumultuar a cidade.

O plano do ministro deu certo e 10 dias depois saia o AI 5 com repressão total.

Década de 70
Temos agora nosso personagem formado em Direito e bem empregado como delegado da polícia política paulista. No trabalho ganhou fama de implacável "caçador de comunistas"

Década de 80
Demitido da polícia, cumprindo pena por um crime comum (homicídio), "ressabiado", diria a um repórter do semanário Afinal que tudo aquilo foi um grande erro.

"Os heróis são necessários em certos momentos, mas depois
que não precisam mais deles não lhes dão mais importância", disse ao repórter, meio amargurado. O nome do herói abandonado - delegado Raul Careca.


A Bandeira Guerrilheira

(...) De outubro de 73 a junho de 74 eles fazem o grande massacre no Araguaia, quando praticamente matam todos os companheiros. É a chamada "terceira campanha" que segundo a própria repressão não foi formada apenas com as tropas regulares mas também e principalmente por eles - os Codi-Doi, o Curió, essa turma.

Como o partido (PCdoB) viveu naquele momento a guerrilha? Os guerrilheiros tinham muito claro o que queriam. Queríamos através da luta armada desgastar a ditadura militar e derrubar esse regime imposto pelo golpe.

(...) O que havia entre nós, os que estavam na guerrilha? Havia discordância de opinião e muita discussão. Mas era muito claro que o objetivo era desgastar o regime militar e permitir que fosse instalado um outro tipo de regime.

Não se tinha a pretensão de uma revolução socialista mas uma revolução democrática, com bandeiras de reforma agrária, com assistência à saúde e à educação na zona rural.

Não eram bandeiras socialistas. Pode-se ver isso claramente lendo os Vinte e Seis Pontos (escrito em 71, trazia as principais reivindicações da população da região) do programa da guerrilha(...) O partido deixa de ter essa coesão e começam a aparecer as dissonâncias quando morrem seus dirigentes.

Com a prisão e morte do Danielli, do Guilhardini, do Lincoln Oest na cidade e do Mauricio Grabois no Araguaia e mais tarde do Angelo Arroyo, a direção do partido começa a mudar a concepção - não de luta armada, pois já não havia luta armada - mas luta de oposição política, em acordo político.

A entrada na direção do partido de ex-militantes da AP - Haroldo Lima, Aldo Arantes e outros - vem ratificar a nova posição (...) Transformou-se num partido light, em um partido de oposição consentida.
(Depoimento à Dra. Ruth Ribeiro de Lima, SP 10/96)


A Guerrilha Brasileirissima

A guerrilha foi a forma de luta usada em dois momentos marcantes na história do Brasil
do século passado.
Era a tática da Coluna Prestes ao percorrer (entre 1925/27) 25 mil quilômetros pelo interior do País para contestar as oligarquias republicanas que se revezavam no poder.

Foi também a forma de luta escolhida pelos democratas para enfrentar o regime militar instalado em 64.

Para confundir a opinião pública a ditadura inventou que os opositores queriam instalar o comunismo no Brasil e por isso tinham que ser ... exterminados. *

Nossos guerrilheiros modernos não lutavam para instalar o regime comunista. Exigiam pela luta armada o retorno da Democracia com a vigência da Constituição de 46.

Tanto é verdade que no governo democrático de João Goulart nenhum segmento político de esquerda defendia a luta armada para tomar o poder.

O socialismo viria pelas urnas, como no Chile, com a eleição de Salvador Allende na mesma década de 70.

A máquina militar de desinformação fez valer sua versão até hoje.
* Ernesto Geisel diz isso explicitamente em seu livro de memórias.

Livro

Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-85) conta a vida e mostra a face de cada um dos 426 jovens que queriam a Democracia de volta e não se sabe onde estão até hoje.

Biografias e fotos mostram cidadãos como nós que um dia tiveram a liberdade civil tirada, não se conformaram e largaram tudo para recuperá-la. Eram estudantes, trabalhadores, professores, tinham família e um futuro promissor.

Depois de mortos, a luta dos 426 é pelo fim da campanha de esquecimento que a "ditadura clandestina" desenvolve com sucesso, passado quase meio século do golpe militar.

Os 426 jovens não são heróis perfeitos. Alguns pegaram em armas, mataram, roubaram bancos, sequestraram - fizeram uma guerrilha criativa que enlouquecia os chamados "orgãos de segurança".

Mas conhecendo suas vidas e vendo os seus rostos não há como não admirar a criatividade e a coragem desses cidadãos que queriam ver o Brasil livre.

Exemplos de criatividade: nossos grupos guerrilheiros inventaram para fins políticos o sequestro de embaixadores (da Alemanha, Suiça, Japão e EUA - neste, o guerrilheiro Fernando Gabeira e a vítima ficaram amigos) para trocá-los por colegas presos, criaram o carro bomba que explodiu no quartel do Exército em S. Paulo, (era centro de tortura), e roubaram bancos para financiar a luta pela Democracia.

Uma vez na clandestinidade, eles sabiam que suas vidas durariam pouco mais de um ano e dois meses até que fossem descobertos pelo fantástico esquema de repressão montado pelas Forças Armadas para matá-los.

Morreu gente dos dois lados mas os delitos têm qualificações diferentes. Os 426 ativistas defendiam a verdadeira lei, abolida pelos militares.

Não são heróis como aqueles que aparecem na literatura, no cinema e na história em quadrinhos, mas combatentes da Democracia. E eles não serão esquecidos porque a Luz da Verdade da História impede.


Igreja conservadora
apoiou,
Igreja revolucionária
combateu

A renovação proposta por João XXIII no Vaticano * coincidiu com a instalação do regime militar no Brasil. A proposta era deixar o rosário um pouco de lado e lutar por justiça social através da Teologia da Libertação.

Foi a resposta da Igreja Católica ao desafio representado pelos pobres, oprimidos, excluídos e marginalizados de toda a América Latina. Essa política foi discutida no Concílio Vaticano II (durou de 62 a 65) e colocada em prática no final da década.

A Teologia da Libertação propõe a conscientização, organização e libertação político-social, econômica e cultural de todos os submetidos a qualquer forma de opressão.
Tenta unir o político à reflexão teológica fazendo da fé a dimensão pela qual se filtram as questões sociais.

Depois de se servirem do rosário e das marchas inspiradas em procissões católicas
para manipular a opinião pública em favor do golpe, “nossos militares” tinham um mico nas mãos


A reação veio violenta. A 27 de maio de 69 foi encontrado estraçalhado num matagal o corpo do padre Henrique, jovem discípulo do Arcebispo de Olinda e Recife D. Hélder Câmara, inimigo intocável e seguidor da Teologia da Libertação.

O próximo será D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu, acusado de comunista por acolher perseguidos políticos: sequestrado, torturado e deixado nu pintado de vermelho no meio da rua a 22 de setembro de 76.

"Nossos militares" descontentes com a nova orientação da Igreja Católica lançavam bombas e pichavam a catedral de Nova Iguaçu (20/12/79).

A 4 de julho de 80 foi a vez de S. Paulo conhecer a fúria contra a bandeira dos direitos humanos empunhada pelos católicos. Nesse dia seria sequestrado e torturado o dr. Dalmo Dallari que faria uma saudação ao Papa João Paulo II em visita ao Brasil.

Vamos mostrar porque o regime ficou tão violento com a Igreja Católica brasileira.

A Teologia da Libertação analisa a divisão do poder econômico, político, ideológico e militar num mundo que exclui grande parte de seus habitantes.

Acusa de perverso um sistema que se sustenta pela degradação da qualidade de vida, opondo-se à lei fundamental do cristianismo: o amor e a solidariedade.

Crendo que o desafio moderno é formar uma consciência mundial, a teologia da libertação faz valer os direitos civis de favelados, desempregados, moradores da periferia, negros, operários, sem-terra, presos, índios, mulheres e organizações sindicais ou comunitárias.

Ou seja, era tudo o que os nossos generais da banda não queriam para o Brasil e para os brasileiros.

* João XXIII convocou o Concílio, morreu pouco antes da primeira sessão e foi sucedido por Paulo VI.


D. Hélder Câmara,
a Luz da Verdade

Fundou a CNBB e foi seu secretário-geral por 12 anos.
Era o maior inimigo da administração militar.

Proibido de falar aqui, fazia conferências no exterior denunciando a prática de tortura a presos políticos e as carências da população.

Sua coragem o tornou símbolo de resistência e em 1972 foi indicado ao Nobel da Paz.


Teoria
do Terror

No registro de atentados de extrema direita nota-se atividade regular
e intensa no período 79/80, distribuída praticamente mês a mês, frequência nunca antes registrada.

O descontentamento desafiador da ditadura clandestina com a administração Figueiredo e sua Lei da Anistia salta aos olhos.

Após oito meses de atentados quase mensais, os radicais das Forças Armadas decidiram também afrontar o Papa João Paulo II em visita ao Brasil.

Sequestraram e torturaram o dr. Dalmo Dallari (4/7/80), expoente católico de
defesa dos direitos humanos, que faria a saudação ao pontífice na cerimônia pública de S. Paulo.

E marcaram para 27 de agosto, no Rio de Janeiro, o protesto mais violento, com carta bomba para a OAB. O corpo da secretaria Lida Monteiro ficou despedaçado.

O próximo protesto seria no centro de convenções Riocentro. O desfecho trágico daquele atentado calou e convenceu os descontentes a aderirem ao que observadores chamam de Teoria do Autoritarismo. Os atentados cessaram de vez no Brasil.

A Teoria do Autoritarismo propõe a saída honrosa de cena e a transmissão do poder aos civis "sob condições".

A primeira delas: negar que houve ditadura. Os excessos seriam esquecidos e se daria a conciliação das Forças Armadas com o povo brasileiro.

Postos chave na máquina do "estado de direito" foram prometidos aos "colegas das bombas", assim como aos seus aliados civis como garantia.

Antes mesmo da nova Constituição, como parte do plano, o Congresso militar já havia removido o chamado "entulho autoritário", aprovando um pacote de medidas que revogava disposições que limitavam os direitos políticos.

Pelo plano, o presidente civil seria indicado pelo colégio eleitoral dos militares e ainda não pelo voto popular - o que de fato ocorreu com a escolha de Tancredo Neves-José Sarney.

Assim legitimado, o regime se caracterizava não como uma ditadura militar mas como um "governo autoritário".

A volta da inflação, o caos no setor público, a dívida externa gigante (cresceu quatro vezes de 74 a 77), a escandalosa concentração da renda nacional e as graves violações aos direitos humanos durante a perseguição política (426 desaparecidos, mais de dois mil torturados...) seriam deixados de lado em troca da liberdade!

E a memória brasileira está atrelada ao novo oficialismo que reconta seletivamente a nossa história contemporânea.

E a ditadura terrorista tem até hoje o poder de determinar aos vivos a memória permitida.

!Viva a Luz da História!


Arquivos Implacáveis *
José Genoino Neto

"Não podemos permitir que
as pessoas esqueçam o que
aconteceu no Brasil.

"Corremos o risco de não
formar consciências e isso,
absolutamente,
não é revanchismo".

José Genoíno, ex-guerrilheiro e depois deputado federal do PT, foi preso a 18 de abril de 72 em Goiás. Por 13 meses ficou incomunicável e sofreu tortura em Brasilia e S. Paulo.

Apresentou à Câmara projeto de indenização pelos mortos e desaparecidos, transformado na lei 9 140.

"O torturador intercala a violência com boas maneiras. Na tortura você sente a contradição da vida e da morte. A gente sente a vida por um fio durante a tortura e nesse momento você recompõe toda a sua história. É como se fosse um filme sobre sua vida passando em questão de segundos.

Lembrar não me faz mal porque escolhi o caminho de não esquecer.

Colocar uma pedra em cima é como alimentar um tumor que um dia vai estourar. A repressão não é apenas uma questão política, mas uma questão que interessa a toda a humanidade.

Não quero me vingar, quero apenas criar uma consciência nacional (...) Os principais responsáveis pela repressão devem ser afastados dos cargos e julgados. Levar esses homens à Justiça não será revanchismo.
* Extraido da revista Afinal de 5/3/85


Aos Amigos tudo,
aos Inimigos a Lei

A produção jurídica da administração militar tem forma e quantidade. Eis um cálculo da edição de leis militares em 21 anos


1 “Constituição”
17 Atos Institucionais
130 Atos Complementares
11 Decretos Secretos
2260 Decretos-lei
3 vezes o Congresso em recesso


Desfile Militar

Foram mais de duas décadas de desfile militar e os generais da banda somaram cinco –
um cearense, três gaúchos e um carioca.

Cinco ditadores e estão todos mortos.

Nenhum despertava aquela simpatia, aquele carinho do povo nas ruas, como apelidos jocosos ou piadinhas. Todos sabiam que isso dava cadeia, quem era contra até desaparecia - dizia-se nas ruas.

Mas à boca pequena se comentava que o cearense era apaixonado por uma escritora comunista, um gaúcho era viciado em corrida de cavalo e carteado (a mulher dele se vestia com o Dener), outro gostava de futebol e violência, o terceiro era protestante, e só deixava a mulher cortar suas unhas. Finalmente o carioca preferia o cheiro de cavalo ao do povo, não cansando de pedir para esquecê-lo...


Cinco personalidades selecionadas a dedo pelo "Conselho de Segurança Nacional" para governar o Brasil. A escolha de cada um era uma comédia. A imprensa cobria todo o processo - era o notíciário na falta de eleições populares.

Os articulistas políticos dos grandes jornais competiam para ver quem estava melhor informado nos bastidores do poder. Castelinho no JB e Carlos Chagas no Estadão não deixavam de dar palpites sobre "os mais cotados".
Era eletrizante. As biografias de todos os candidatos era transcrita do Almanaque do Exército.

Esse era o noticário político. Passados quase 50 anos da instalação do regime fica a pergunta: por que a coisa durou tanto; por que o povo não sabe do legado deixado - um país à beira da falência, com mais problemas do que quando foi tomado pelos generais da banda? Por que essa aversão pelo voto popular da democracia?

Uma vez só, em 60 anos (1930/90), o voto popular escolheu um presidente civil que passou o cargo a outro (Juscelino/Janio) ...

Só há um jeito de mudar essa situação - a participação ativa do povo no seu próprio processo histórico. E também conhecimento do passado para tirar lições dele.


Personagem

Sérgio Fernando
Paranhos Fleury


Delegado de polícia. Depois de arrebentar o esquema de prostituição na boca do lixo de S. Paulo foi chamado para trabalhar na polícia política paulista (Dops).

Em 69 ganha fama de implacável nos "interrogatórios" aos presos políticos. No ano seguinte é promovido por bravura pelo governador Abreu Sodré. É que o delegado se destacou no cerco e fuzilamento do ex-deputado Carlos Marighela.

Morre afogado de forma misteriosa a 1 de maio de 79 em Ilhabela, litoral de S. Paulo. Segundo a imprensa, estava bêbado e era dono do iate Adriana, avaliado em dois milhões de cruzeiros.

Testemunho de Frei Beto publicado em Afinal (5/3/85):

"Em 69, vi com meus olhos o delegado Fleury torturar, no Dops, pessoas que haviam sido presas em Ribeirão Preto. Ele também torturou pessoalmente os freis Ivo, Fernando e Tito.

Mas é um erro atribuir a pessoas como Fleury a culpa pela tortura.
O grave é ela ter sido oficializada pelo regime militar, a ponto de ter havido aulas de tortura em dependências do Exército.

Fleury foi o homem que encarnou o que de mais hediondo houve no regime de 64. Não acho que ele foi causa, mas sim fruto de um contexto que gerou torturadores e corruptos que transformaram esse país num grande cassino e o governo no seu crupiê".


Medicina *
da Tortura


Tinha como finalidade
manter a saúde da vítima
para receber mais tortura

Indicava também as partes do corpo que poderiam ser usadas e as que não, o estado psicológico do torturado e a linha a seguir no interrogatório.

Havia médicos legistas, psiquiatra, psicólogo...
Temos o caso de C.A.S.A. que estava grávida.
Os torturadores aplicavam os instrumentos de tortura apenas nos pés e mãos, por ordem médica, segundo ela.

A seguir, lista de doutores que se envolveram com a tortura da polícia política no Rio e em São Paulo, reconhecidos pelas vítimas.

Dr. Amilcar Lobo - psiquiatra
Avaliava quanto mais de tortura a vítima suportaria no Codi-Doi da rua Barão de Mesquita, RJ.

Isaac Abramovith - Médico legista
Assinava os laudos de necrópsia. As vítimas eram assasinadas mas isso não podia aparecer nos documentos oficiais. O doutor maquiou os laudos da morte de:

Carlos Nicolau Danielli, Frederico Eduardo Mayr, Gastone Lúcia Beltrão, Iuri Xavier Pereira, João Carlos Cavalcanti Reis, José Júlio de Araujo, Lauriberto José Reyes, Marcos Nonato da Fonseca, Luís Eduardo da Rocha Merlino, Manoel José Mendes Nunes de Abreu, Alex de Paula Xavier Pereira, Alexander José Ibsen Voeroes, Ana Maria Nacinovic Corrêa, Antonio Benetazzo, Alexandre Vanucchi Leme, Arnaldo Cardoso Rocha, Francisco Emanoel Penteado, Francisco Seiko Okamo, Ronaldo Mouth Queiroz.

Ricardo Agnese Fayad
Cuidava da saúde dos presos para receberem mais tortura no Codi-Doi da rua Barão de Mesquita, RJ.

João Pajenotto
Legista do IML de S. Paulo. Maquiava as autópsias das vítimas de tortura.

Paulo Augusto de Q. Rocha
Legista do IML de S. Paulo. Maquiava as autópsias das vítimas de tortura.

* A remuneração pelos serviços prestados era generosa.


Métodos & Técnicas

Pau de Arara
Instrumento de tortura mais usado no Brasil. São dois cavaletes, a vítima nua tinha pulsos e tornozelos amarrados com corda. No espaço entre os joelhos e os cotovelos passa-se uma barra de ferro, por onde se levanta o corpo e pendura-se entre os dois cavaletes.

As dores são provocadas pelo próprio pau de arara ( por causa da tração e paralisação da circulação em braços e pernas).

Segundo os torturadores, aguenta-se no máximo quatro horas, mas geralmente a vítima morria antes pelo espancamento e choque elétrico. Assim, o tempo médio do pau de arara está entre duas e três horas.


Militantes políticas
assassinadas
no regime militar

Maria Ângela Ribeiro
Alceri Maria Gomes da Silva
Marilene Villas Boas Pinto
Nilda Carvalho Cunha
Iara Yavelberg
Ana Maria Nacinovic
Aurora Maria Nascimento
Gastone Lúcia Pereira da Silva
Lígia Maria Salgado Nóbrega
Lourdes Maria Wanderley Pontes
Maria Regina Lobo Leite
Paulina Reichstul
Ranúsia Alves Rodrigues
Anatália de Souza Alves de Melo
Soledad Barret Viedma
Sônia Maria de Moraes Lopes
Maria Auxiliadora Lara Barcelos

Neide Alves dos Santos
Ana Rosa Kucinski Silva
Áurea Elisa Pereira Valadão
Dinaelza Soares Santana
Dinalva Oliveira Teixeira
Heleni Telles Pereira Guariba
Helenira Rezende de Souza Nazareth
Ieda Santos Delgado
Ísis Dias Oliveira
Jana Morone Barroso
Lúcia Maria de Souza
Luiza Augusta Garlippe
Maria Augusta Thomaz
Maria Célia Corrêa
Maria Lúcia Petit da Silva
Suely Yumiko Kamayana
Telma Regina Cordeiro Corrêa
Walquíria Afonso da Costa
Maria Regina Marcondes Pinto
Jane Vanini



Tortura em Mulher Grávida

"A tortura é violenta e brutal para homens e mulheres. Mas o torturador é homem. A relação de poder, a relação machista do torturador sobre a torturada se faz sentir o tempo todo.

Por exemplo, os casos de estupro foram uma constante. Há uma diferença nesse aspecto. Todos os presos são interrogados e torturados nus. Mas é diferente a situação de um preso nu na frente dos torturadores e de uma presa nua diante dos torturadores. Há uma grande diferença.

Outra coisa, o preso não tem privacidade sequer para ir ao banheiro. A privacidade faz falta a todos mas para a mulher ela é muito mais sentida. O meu caso é específico: eu estava grávida (...)

Quando eu era torturada, o bebê tinha soluço dentro do útero. Depois que nasceu, ele tinha soluço quando ouvia barulhos semelhantes ao que ouvira na tortura. Barulhos de metal, de chave.

Quando se tortura uma grávida, não se tortura apenas uma pessoa, mas duas. Uma delas sequer tem consciência do que está se passando. Isso é uma coisa das mais graves.

Depois que meu filho nasceu, ele foi usado como instrumento para me torturar. Impediram-me de amamentá-lo, porque eu me recusava a cooperar com eles. Eu dizia que não daria nenhum depoimento, enquanto não tivesse garantia sobre a vida do meu filho.

Era uma briga. Eu tinha certo que...Eu tinha que brigar. Não sabia como, mas a única coisa que eu possuía, eram as informações Assim que eu as desse, não teria mais como brigar. Acabei conseguindo que o meu bebê saísse antes de mim. Ele ficou cincoenta e poucos dias naquele hospital. Num hospital com guardas, com metralhadoras..

Consegui que o Exército entrasse em contato com minha tia e ela foi buscá-lo. Acredito que meu filho sofreu e ainda sofre as sequelas de toda essa experiência. Mas sinto que ele tem uma admiração muito grande pelo que os seus pais fizeram (..)

Já que estou falando da minha experiência na prisão, eu considero que é a pior experiência que se pode ter. Para mim a liberdade é um bem e privar alguém dela é o que há de pior.

Fui presa na data de 29 de dezembro de 1972. Inicialmente fiquei na rua Tutóia, na Operação Bandeirantes, em S. Paulo. No dia 22 de janeiro de 1973 fui transferida para o Pelotão de Investigações Criminais, em Brasília. Na data de 12 de fevereiro, fui levada para o Hospital da Guarnição, também na capital federal.

Em primeiro de abril voltei para o Pelotão de Investigações Criminais. Em 19 desse mesmo mês e ano fui escoltada por três militares e levada à casa de minha tia, em Belo Horizonte, onde se encontrava meu filho. Estava em liberdade vigiada.

Após deixar a prisão vivi uma situação estranha, porque não era uma pessoa processada, mas não era uma pessoa livre. Era seguida, era importunada pelos agentes da repressão.

O general Bandeira de Melo disse
que eu não seria condenada, mas
que eu ia morrer, pois ia ser atropelada,
ou ia ser assaltada, ou ainda,
ia ser “suicidada”

A presença deles era constante, me lembro isso. Saí da prisão mas não era uma pessoa livre. Havia ameaças. Essas ameaças poderiam se estender a meu filho, a meus sobrinhos...Era uma constante, era uma tortura.

Aliás a tortura é uma coisa que não acaba. Defendemos que na Constituição, a tortura deveria ser crime imprescritível (...) A tortura não prescreve, jamais, para o torturado. Ela é permanente, porque a lembrança não se apaga. E a impunidade reforça essa certeza".
(Depoimento à dra. Ruth Ribeiro de Lima em SP - 10/1996).



Mais Tortura à Mulher

"Permaneci pouco tempo presa, apenas cinco meses. e menos ainda participei de um coletivo. Só quando estive na Oban, em algum período convivi no coletivo das presas.

"Pude sentir que havia uma solidariedade muito grande, mas pude sentir também que esse espírito de solidariedade podia ser manipulado, usado contra o preso. Minha irmã estava sendo muito torturada fisicamente, mais do que eu.

"Havia tido uma recomendação que não me torturassem com choques na vagina, na boca, no ânus, no ouvido. Só nas mãos e nos pés. Que não me colocassem no pau de arara. Uma recomendação médica, que eu ouvi.

"Mas com minha irmã eles faziam tudo isso. Faziam não para ela falar, mas para eu falar. Eram interrogatórios feitos, onde ela era torturada, cuja intensidade e duração ficava na razão direta da minha recusa em dar informações.

"Sofri muito com isso, porque mesmo não sendo torturada fisicamente, outra pessoa era torturada em meu lugar. É difícil medir mas naquele momento a gente mede a tortura física.

"Eu tinha as informações e ela estava sendo fisicamente torturada. Era insuportável, era intolerável a tortura psicológica. Uma pessoa que eu amava estava sendo torturada em meu lugar.

"As companheiras ficaram muito preocupadas porque ela estava muito ferida, muito machucada. A solidariedade, no sentido de que era preciso fazer alguma coisa para ela ser menos brutalizada levou os torturadores a se aproveitarem em benefício próprio e convenceram as presas de que a solução para isso era que eu falasse. Que eu precisava falar porque minha irmã não ia aguetar por muito tempo.

(...) “Eu dizia – não, eu não posso falar, eu não estou torturando nem a ela nem a ninguém. São eles que tem que parar, eu não vou falar. Não vou colocar outros companheiros neste lugar.

(...) "Eu não culpo essas companheiras, isso é não saber lutar com tanta brutalidade. Porque as pessoas que estavam ali na condição de presos eram pessoas muito sensíveis, muito idealistas, sonhando com um mundo diferente, um mundo melhor, um mundo mais justo.
(Depoimento à dra. Ruth Ribeiro de Lima em SP - 10/96)



Escreva e/ou Fale
Destrave a
Memória

O golpe fez 45 anos
e nada se comentou

Foram 21 anos de
perseguição política

Aproveite a Liberdade
e a Democracia

Conte a sua História


Mais de 3000 000 pessoas
foram fichadas
como criminosas porque queriam
a volta da Democracia

Mais de 2 000 pessoas
foram torturadas


Vamos contar tudo de
uma vez para o
Julgamento da História

Chegou a hora de contar
a verdadeira
História do Brasil
de 1964 a 1985

426 jovens foram
torturados até a morte
e seus corpos estão desaparecidos


Vamos achá-los e contar
a História Verdadeira
de quem foram e fizeram
na Luta pelas
Liberdades do Cidadão

Participe, Escreva
a História do Brasil

Conte a todos
o que você viu/viveu


A Farsa
das Autópsias


O nome de Alceri Maria Gomes da Silva está na lista de mulheres assassinadas pela ditadura.

Trechos do documento 17 398 de 25/5/70 expedido pelo Instituto Médico Legal de S. Paulo e assinado pelos legistas João Pajenotto e Paulo Augusto de Q. Rocha:

Exame de corpo de delito do cadáver de Alceri Maria Gomes da Silva, 27 anos.

Do observado e exposto, concluimos que a examinada sofreu quatro disparos de arma de fogo.

Os projéteis lesaram orgãos vitais como os pulmões e a aorta, determinando abundante hemorragia interna e externa com anemia aguda e consequente morte.

Quesitos

Primeiro: Houve morte?

Sim

Segundo: Qual a causa?

Choque hemorrágico

Terceiro: Qual o instrumento ou meio que o produziu?

Instrumento pérfuro cortante

Quarto: Foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, ou tortura, ou por outro meio insidioso e cruel?

Prejudicado.
O corpo estava quase irreconhecivel. Alceri integrava a VPR e foi assassinada a 17 de maio de 70 em S. Paulo segundo a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.


A Deusa da Democracia

Este texto dá uma idéia do esquema da perseguição política a uma jovem cidadã lúcida e traz um exemplo da linguagem peculiar dos relatórios secretos no período militar.


Fonte Dops/GB
26/5/68

A marginada é ativissima na Faculdade Nacional de Direito, costumando ir de sala em sala para instigar os colegas a tomarem atitudes de rebeldia.

Apesar de proibida de ingressar no local reunia-se diariamente das 19 às 21 horas no corredor do quarto andar daquela faculdade, tratando de assuntos relativos à vinda do ex-governador Carlos Lacerda a fim de poder lançar uma campanha difamatória contra o governo e as autoridades educacionais.

Fonte CENIMAR
12/10/68

Presa a 12 de out. 68 em Ibiúna, SP, quando participava do XXX Congresso da UNE.

Fonte CIE
19/3/69

A 17 mar 69 tomou parte ativa na intensa atividade de arregimentação realizada por estudantes esquerdistas e comunistas da Faculdade de Direito da UFRJ, sob o patrocinio do CACO. Nessa ocasião a epigrafada usou da palavra.

Fonte CIE
24/4/69

Em fins de março e início de abril corrente, destacou-se pela intensa atividade desenvolvida no sentido de agitar o ambiente da Faculdade de Direito da UFRJ.

A marginada é comunista fanática e extremamente insinuante. É membro da diretoria do CACO (secretária). Por ocasião de sua prisão em SP (out 68) apurou-se que havia sido um dos elementos articuladores, na Guanabara, do frustrado XXX Congresso da extinta UNE.

Foi apurado também que a marginada era funcionária categorizada do Banco Central da República.

Gestões foram feitas junto à direção daquele estabelecimento monetário estatal no sentido de afastá-la dali. Entretanto, segundo informou o dr. Cardoso (assistente da presidência do Banco Central), ela foi apenas transferida para outro setor.

Durante as agitações anteriormente descritas, a epigrafada pessoalmente rasgou todos os cartazes comemorativos do aniversário da Revolução de Março de 1964, que haviam sido afixados nos quadros de avisos da Faculdade.

Tal atitude e mais a sistemática ação subversiva desenvolvida por ela, estão a exigir medidas objetivas e imediatas, em defesa das instituições democráticas.

Em Abr 69, sugeriu-se a expulsão da marginada da Faculdade de Direito bem como a indicação de seu nome à Comissão de Investigações do Ministério da Fazenda, tendo em vista sua demissão do Banco Central.

Fonte MEC
3 Out 69

Desligada da Faculdade de Direito da UFRJ por estar incursa no Dec-Lei 477/69.


Fonte CIE
2/ jul 70

É comunista fanática e tem certo orgulho de demonstrá-lo, bem como tem satisfação em externar suas idéias comunistas. Julga possuir alto grau de politização e exprime-se muito bem quando trata de teoria política.


É fria e calculista. Aparenta meiguice e humildade quando sente que é necessário. Admite, com grande tranquilidade, a necessidade de haver vítimas inocentes do terrorismo, como uma consequência natural da luta armada.

Abandonou emprego bem remunerado e boa vida social para se dedicar à DI/PCB, de onde recebia Cr$3,oo por dia, para alimentação e Cr$4,oo para transporte. A DI pagava ainda,
Cr$1oo,oo por mês de aluguel do quarto de pensão onde a epigrafada morava. Quando recebia dinheiro de sua mãe, entregava-o à DI para compensar as despesas que o grupo tinha com ela.

Declarou que não decidiu o que fazer após ser posta em liberdade - não por mudança de ideologia, mas por medo de ser presa novamente; no entanto, declarou que teria ainda muito tempo para decidir se voltaria a atuar.
A marginada é irrecuperável.

Fonte I EX
19 dez 70

Está condenada a quatro anos de reclusão.

Proposta para ser trocada pelo embaixador da Suiça sequestrado a 7 dez 70 no Rio de Janeiro-GB.

Em declaração do próprio punho, CONCORDOU com a indicação de seu nome, arcando com a consequente medida de banimento do País.

Siglas
Dops-GB - Depto. de Ordem Política e Social - Guanabara
CENIMAR - Centro de Informações da Marinha
CIE - Centro de Informações do Exército
MEC - Ministério da Educação e Cultura
I EX - Primeiro Exército
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
CACO - Centro acadêmico
Guanabara - antigo nome do estado do Rio de Janeiro


O Pacto
do Silêncio

"(...) É muito difícil ainda hoje fazer individualmente um balanço de toda essa experiência. E a dificuldade se dá porque você não tem todas as informações. Dos guerrilheiros as informações que ficaram são muito poucas.

Se resumem a um relatório, o chamado Relatório Arroyo feito pelo Angelo Arroyo e que foi encontrado na queda da Lapa. Não existem outros documentos dos guerrilheiros. Existem alguns diários. A gente sabe que existe um diário do Mauricio Grabois, um do João Carlos. Mas todos foram apreendidos pela repressão e não se teve acesso a eles. É difícil fazer uma análise isoladamente.

O partido (PCdoB) nunca fez uma análise séria da guerrilha, mesmo porque não tinha condições. Os seus dirigentes, os que tinham envolvimento, os que tinham participado, os que conheciam a realidade da guerrilha, estavam mortos.

Os que passaram a dirigir o partido eram de outra organização, nada sabiam do que havia sido feito, com a exceção de João Amazonas, que acredito, por oportunismo político, nunca falou. Então fica difícil fazer uma análise, um balanço mais completo, tendo por base apenas a experiência pessoal.

Mas acredito no seguinte - a guerrilha do Araguaia, a última experiência não só de guerrilha mas de todo o processo de luta armada no Brasil - contribuiu, em muito, para o desgaste da ditadura.

O fato dessa experiência ter sido derrotada militarmente talvez tenha favorecido esse fim de ditadura que tivemos, que foi feito em cima de um acordo de silêncio, de impunidade.

Hoje se diz que o regime militar cometeu crimes, mas que estão todos perdoados. Perdoados de uma forma não explicada. Penso que a derrota dos movimentos armados levou a que sobreviventes da esquerda, que se mantiveram no poder de suas organizações, fizessem acordos que a meu ver foram acordos espúrios.

Não preciso afirmar que acordos sempre e fazem em política. Difícil de aceitar esses acordos de silêncio.

Lamentavelmente, nenhum partido de esquerda com existência anterior ou criado após a Abertura ou a Anistia denunciou a fundo essas ocorrências (de tortura, assassinato e desaparecimento de democratas). O que se tem são indivíduos, militantes ou não de partidos, que denunciam.

Penso que a luta armada teve esse papel. E a guerrilha rural, por ter sido o último movimento armado, por ter tido uma grande duração e envolvido um grande número de militantes, teve um papel importante na derrota da ditadura (...)".
(depoimento à dra. Ruth Ribeiro de Lima em SP - 10/96)



Os mortos que não existem
e os Torturadores "Anistiados"

"(...) Em meados de 79 acontece a Anistia. E a questão dos desaparecidos vem à tona. Com a Anistia eles não retornam e nem se tem informações concretas do desaparecimento deles, embora para nós não existisse dúvida de que estavam todos mortos.

(...) Essa lei não foi a que desejávamos. Teve muita limitação. Na realidade o que foi aprovado foi o projeto do governo Figueiredo, o projeto dos militares.

Houve também por parte da esquerda uma certa incompreensão do nosso movimento de busca dos mortos e desaparecidos.

Incompreensão no sentido de considerar que a nossa reivindicação era um cutucar a fera com vara curta, pois a Anistia tinha sido um grande ganho e que estávamos provocando a ira dos militares e que isso iria criar dificuldades para o processo de redemocratização do País.

Por outro lado, os militares nos chamavam de revanchistas (...). A luta dos familiares em busca dos desaparecidos não foi assumida pelos partidos políticos nem pela chamada sociedade civil. Mas foi assumida com muita garra pelas mães, pelos pais, pelos irmãos, pelas esposas dos desaparecidos e por alguns ex-presos políticos. Era uma luta solitária.

(...) Quando eu falo dos partidos políticos...Essa foi uma das grandes divergências que eu tive com o PCdoB. Essa busca tem altos e baixos porque houve momentos em que as pessoas chave, pessoas importantes do movimento - mães - foram morrendo.

A gente não conseguia nada de concreto, era uma luta sem frutos. Existiram muitos momentos de desânimo, mas a gente persistia.

(...) Finalmente em 95 o governo editou a lei 9 140 (lei de 5/12/95 - nela o governo reconhece formalmente a morte de 136 políticos e militantes de esquerda desaparecidos entre 64 e 79) que não é bem o que pretendíamos que o Estado fizesse. Mas em certo sentido, quando o Estado dá uma reparação financeira, está assumindo a sua responsabilidade.

Mas a lei 9140 deixa a cargo dos familiares todo o ônus: primeiro, de provar que foram vítimas da violência do Estado, segundo de descobrir onde estão os restos mortais.
.
Isso é um absurdo, porque se soubéssemos eles não seriam desaparecidos. É óbvio. Já teríamos entrado na Justiça de alguma forma para reaver seus ossos, se a gente soubesse onde eles estão.

Então é uma Lei muito perversa essa lei 9 140. (...) Ela não esclarece a circunstância da morte, do desaparecimento. Ela não localiza. Ela não entrega os restos mortais, ela não aponta os responsáveis.

Tudo se justifica porque existe uma lei de Anistia promulgada em 79, onde, dizem, os torturadores foram anistiados. Discordo dessa versão porque a nossa Anistia não foi um ato geral, assim - Todos estão anistiados.

Eu não fui anistiada porque não fui processada. Então, como não era condenada pela justiça militar não fui anistiada. Só foram anistiados os condenados por crime político.

Então eu pergunto: algum torturador foi condenado, por crime político ou crime conexo? Não.

Essa conversa do governo e dos políticos de que os torturadores foram anistiados não é verdade. Porque cada um dos opositores que foi anistiado teve seu nome publicado no Diário Oficial. Uns foram anistiados quatro, cinco vezes porque tinham quatro ou cinco processos.

Os perseguidos políticos que não tinham processo não foram anistiados, como é o meu caso. Como eu não fui anistiada, torturador nenhum foi anistiado.

Não saiu o nome dos torturadores em nenhum Diário Oficial afirmando que eles foram anistiados.. Aliás, eles omitem sempre esses nomes.

Conseguimos abrir alguns arquivos do Dops mas ainda não conseguimos acesso a nenhum arquivo das Forças Armadas - Exército, Marinha e Aeronáutica - e essa é uma luta da sociedade brasileira (...)".
(Depoimento à dra. Ruth Ribeiro de Lima, SP, 10/96)


A Persistência da Memória

Hoje é segunda-feira 31 de março de 2014, temos um dia lindo de sol e calor de fim de verão.

Em 31 de março de 1964, uma terça-feira de 50 anos atrás, o Brasil teve suspensa a liberdade e começou o período mais trágico e sanguinário de toda a sua história, tirando a escravidão dos africanos.

Por 21 anos seguidos, cidadãos foram presos, espancados, torturados e assassinados. Mulher grávida, criança, idoso, não se poupava ninguém na busca dos "criminosos de idéias" - todos os democratas que eram contra o regime militar.

Nesse meio século que passou, nunca se viu tanta análise, tanta investigação científica nas universidades para explicar os fatos políticos, sociais e econômicos de um período, mas toda a produção acadêmica mofa nas prateleiras das bibliotecas e o povo desconhece o que aconteceu naquele tempo.

Só uma pequena elite intelectual troca figurinha entre si e escreve mais uma tese para promoção na carreira. A interpretação da nossa história contemporânea é quase obra de ficção, só entendida pelos entendidos.

É um pacto pelo silêncio do equívoco que se alonga por várias décadas. Vamos a um exemplo. Diz-se que os criminosos da ditadura também foram anistiados.

Essa conversa do governo e dos políticos de que os torturadores foram anistiados é enganosa porque cada um dos anistiados teve o nome publicado no Diário Oficial. Uns foram anistiados quatro, cinco vezes porque tinham quatro ou cinco processos. O perseguido político que não tinha processo não foi anistiado.

E também torturador nenhum foi anistiado. Não saiu o nome dos torturadores em nenhum Diário Oficial afirmando que eles foram anistiados..

Nas ruas está a triste realidade. É preciso explicar às pessoas o que aconteceu décadas atrás, mas esse passado distante não desperta mais interesse.

Que fazer? Nada. Deixar as teses científicas e as memórias publicadas e por publicar mofarem nas prateleiras das bibliotecas. E torcer para que as cabeças totalitárias não saiam da penumbra até que tudo seja explicado.

Idéias e Bandeiras

O projeto formulado pelos Estados Unidos para o Brasil da década de 60 tinha como objetivo tirar o poder das mãos dos civis, instalar um regime militar e facilitar a entrada das 500 maiores empresas norte-americanas no nosso mercado.

Oe anticomunismo foi usado para facilitar a estratégia.

Tudo deu certo e a metade da década de 70 foi de bons negócios para as multinacionais americanas na onda do milagre brasileiro.

A URSS, arqui-inimiga, desintegrou-se e acabou na década de 80.

A bandeira vermelha com a foice e o martelo já não existe mais - agora é branca, azul e vermelha, as mesmas cores da América.
O capitalismo norte-americano está em declínio e o capitalismo de Estado da China em ascenção.

"Hoje somente a China tem a combinação necessária de mercados capitalistas e uma economia planificada, e, ironicamente, é para a China que o Ocidente está se voltando na esperança de salvar o modelo de livre mercado da globalização.

Este não é o fim do capitalismo, do livre mercado ou da globalização. O que estamos testemunhando agora é o início incerto de um novo período da história, no qual o modelo anglo-americano é apenas uma das várias versões de capitalismo que conformarão o mundo" (John Gray, prof. de Economia).

Enfim, o anticomunismo que a foi bandeira dos ditadores brasileiros para tomar o poder era uma farsa.

Nossos cinco ditadores estão mortos e seus crimes impunes. A administração militar só agravou nossos problemas. (A dívida externa aumentou quatro vezes nos anos 70 e a desigualdade social herdada do "milagre brasileiro" é assustadora).

Uma idéia que permanece atual mas não se pratica é a Teologia da Libertação, que propõe a conscientização, organização e libertação política, social, econômica e cultural de todos os submetidos a qualquer forma de opressão.

Acusa de perverso um sistema que se sustenta pela degradação da qualidade de vida, opondo-se à lei fundamental do cristianismo: o amor e a solidariedade.

Crendo que o desafio moderno é formar uma consciência mundial, a Teologia da Libertação propõe a luta pelos direitos civis de favelados, desempregados, moradores da periferia, negros, operários, sem-terra, presos, índios, mulheres e organizações sindicais e comunitárias.

Muitas idéias mudam, as bandeiras também, e a Teologia da Libertação da Igreja Católica é atual há quase meio século.


Diretas Já

Diretas Já era o nome do movimento que exigia eleição direta para presidente durante o processo de abertura política nos anos 80.

A constituição militar previa a escolha indireta do presidente que sucederia Figueiredo mas a opinião pública queria reformá-la. Para isso precisava-se de 2/3 dos votos no Congresso.

Em 84 o deputado Dante de Oliveira apresentou a emenda das diretas com manifestações populares de apoio em vários estados exigindo a aprovação.

O Congresso da ditadura rejeitou a emenda e a eleição foi indireta, ainda pelo "colégio eleitoral militar".

Indiretas Já seria o nome apropriado para o movimento conduzido por Ulisses Guimarães e que mobilizou a sociedade.

É que os pensadores da Escola Superior de Guerra haviam elaborado a Teoria do Autoritarismo e tudo estava em marcha.

A Teoria do Autoritarismo previa a saída honrosa dos militares de cena e a transmissão do poder aos civis "sob condições".

A primeira delas: negar que houve ditadura. Os excessos seriam esquecidos e se daria a conciliação das Forças Armadas com o povo brasileiro.

Antes mesmo da nova Constituição livre e soberana de 88, como parte do plano, o Congresso já havia removido o chamado "entulho autoritário", aprovando um pacote de medidas que revogava disposições que limitavam os direitos políticos.

Pela Teoria do Autoritarismo, o presidente civil seria indicado pelo colégio eleitoral dos militares e ainda não pelo voto popular - o que de fato ocorreu com a escolha de Tancredo Neves-José Sarney.

Assim legitimado, o regime se caracterizava não como uma ditadura militar mas como um "governo autoritário".


A farsa da transição
para a Democracia

Com o fim dos atos institucionais surgiu uma nova estrutura partidária. A Arena dos militares mudou o nome para Partido Democrático Social, PDS.

O MDB assumiu o nome de Partido do Movimento Democrático Brasileiro, PMDB, abrigando democratas cristãos, liberais de várias nuances, social-democratas e outros.

As tendências mais marcantes da esquerda sairam do MDB para formar o PT, cujo eixo central era de sindicalistas de base (dos metalúrgicos do ABC paulista, bancários, petroleiros e setores desenvolvidos na resistência à ditadura).

Leonel Brizola perdeu a sigla PTB getulista para Ivete Vargas numa manobra da ditadura e criou o PDT, onde desenvolveu o seu projeto junto a setores nacionalistas tradicionais.

O quadro partidário da transição para a Democracia ficou assim: PDS, PMDB, PTB, PDT, PT.

A primeira campanha de envergadura dessas siglas foi participar do jogo para eleição indireta do primeiro presidente civil desde 64.

A exceção foi o PT que se recusou a participar como ator da encenação cujo roteiro era a Teoria do Autoritarismo da Escola Superior de Guerra. O PT acusou que o colégio eleitoral era um meio ilegítimo de eleição que violava a vontade popular.

Duas chapas concorreram para a sucessão do general Figueiredo.

O partido do governo, PDS, escolheu Paulo Maluf, que derrotou o indicado de Figueiredo Mario Andreazza praticando as velhas técnicas do clientelismo e da corrupção.

O malufismo foi repudiado pelo vice presidente da República Aureliano Chaves antes da votação no colégio eleitoral.

Ele, o presidente do PDS José Sarney e outros políticos decidiram apoiar a oposição e fundaram o Partido da Frente Liberal, PFL.

O PFL fez acordo com o PMDB, batizado Aliança Democrática, uma frente de partidos que governaria o pais na transição democrática.

Velhos políticos do regime militar passaram à oposição usando o antimalufismo como desculpa para se proclamarem "liberais" e "democratas", acompanhando Aureliano Chaves, José Sarney, Antonio Carlos Magalhães e outros.

Vários deles entraram diretamente no PMDB, engrossando sua ala moderada.
O candidato da Aliança foi Tancredo Neves, então governador de Minas, político moderado, ex-primeiro-ministro de João Goulart no curto regime parlamentar antes da instalação da ditadura.

A Aliança Democrática apresentou a chapa formada por Tancredo Neves para presidente e o recém-saído do PDS, José Sarney para vice.

Tancredo Neves participara discretamente na mobilização pelas diretas. Seu "realismo" e a tradição de político conciliador o deixaram à margem de uma campanha para ele impraticável, pela dificuldade em obter 2/3 dos votos no Congresso para alterar a Constituição, como queria o movimento Diretas Já.

O colégio eleitoral deu ampla vitória à chapa Tancredo-Sarney.

Na véspera da posse Tancredo caiu doente e o seu estado de saúde se agravava a cada dia. Fez-se a polêmica sobre quem deveria assumir o cargo: Ulysses Guimarães como presidente da Câmara ou Sarney. A dúvida: Sarney era vice de um presidente não empossado.

Após breve polêmica, José Sarney
tomava posse,
algumas semanas após
deixar a presidência do partido
do regime militar e como candidato
da Oposição no lugar de Tancredo....

O clima de renovação da cerimônia desapareceu. A 21 de abril de 85 Tancredo morreu.

Dois anos bastaram para o povo se desencantar com o governo Sarney e com o rumo assumido pela transição política da ditadura para a Democracia.
.
(...ou seja, mudou tudo
para não mudar quase nada... )



Anexo Educação

A UNE em Chamas

A União Nacional dos Estudantes era toda festa no dia 30 de março de 64, quando inaugurava seu teatro na sede da praia do Flamengo, no Rio.

Na madrugada de 1 de abril, o prédio inteiro ardia em chamas, imprestável. E o país mergulhava nas trevas do golpe militar.

Tamanho ódio da extrema direita se explica em parte pelo sucesso do Centro Popular de Cultura, o CPC, orgão cultural da entidade.

É preciso produzir conscientização em massa, em escala industrial. Só assim é possível fazer frente ao poder econômico que produz alienação em massa.

No começo do CPC estavam Oduvaldo Vianna Filho (autor do pensamento acima), Leon Hirzman, Carlos Estevan Martins (seu primeiro diretor) e depois Carlos Diegues e Ferreira Gullar.

Dois textos básicos explicavam a proposta: A Questão da Cultura Popular (onde se define a "arte popular revolucionária"), de Carlos Estevam e A cultura posta em questão, de Ferreira Gullar.

O grupo encenou cerca de 20 peças teatrais, em cinema fez um filme e um documentário, e montou diversos shows de música popular.

Verbetes
Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha (acima), é um dos maiores teatrólogos de sua geração e do teatro brasileiro.
Morreu aos 38 anos de câncer e no leito ditou para a mãe os diálogos finais de Rasga Coração, um de seus maiores sucessos.
Foi considerado também um renovador da TV criando o programa A Grande Família. Sua trajetória é parecida com a de Gianfrancesco Guarnieri: Teatro Paulista de Estudantes (55) e Teatro de Arena. No Rio foi um dos fundadores do Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE.

Ferreira Gullar, poeta e crítico de arte maranhense de S. Luís, onde nasceu a 10/9/30. Incansável na procura da sua verdadeira poesia e estilo. Em 54 lança Luta Corporal, ícone da poesia brasileira.
Participa do movimento concreto paulista e em 59 funda o neoconcretismo. Em 61 ocupa-se da cultura popular com Romances de Cordel. Morou por anos no exílio e voltou em 77.
"Minha poesia nasce do real e do comum das coisas banais, da luz suja e verdadeira que há nas coisas e nas pessoas", diz o poeta. Poema Sujo (76) é outro marco de sua obra. A Teoria do Não Objeto (59) é ensaio de leitura obrigatória.


Moral e Civismo Militar

A Junta Militar que assumiu após o afastamento de Costa e Silva por doença baixou o Decreto Lei 869 ordenando que a disciplina Educação Moral e Cívica fosse obrigatória no ensino do país em todos os graus.

O conteúdo da nova matéria escolar foi elaborado pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, com assessoria da TFP.

Teria oito finalidades

1. A defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus

2. A preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade

3. O fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana

4. O culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições, e os grandes vultos de sua história

5. O aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade

6. A compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização socio-política-e-econômica do País

7. O preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas, com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva visando ao bem comum

8. O culto da obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade


A disciplina foi ministrada do curso primário ao superior e até na pós-graduação. No ensino superior a farsa levou o nome de Estudo dos Problemas Brasileiros.

Ou seja, era a fusão perfeita do pensamento reacionário, do catolicismo conservador e da Doutrina da Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra.

Em 73, o ministro da Educação coronel Jarbas Passarinho homologou o Compêndio de Instrução Moral e Cívismo, de Plínio Salgado, fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), e deu a pista da inspiração ao conteúdo...


Mobral
Movimento Brasileiro de Alfabetização

"Em 1960 surgiram as primeiras iniciativas de educação popular, voltadas também para a população adulta como o Movimento de Educação Popular, cuja proposta foi adotada por inúmeros países da América Latina e da África, e o Movimento de Educação de Base, iniciativa da CNBB.
A educação de adultos é uma questão fundamental para um país com altos índices de analfabetismo, como é o caso do Brasil.
Discutida intensamente como uma questão de ação política pelo Movimento de Cultura Popular no início da década de 60(liderado pelo pedagogo pernambucano Paulo Freire), a nova metodologia foi maquiada pelo regime militar na década de 70 e ganhou dimensões igualmente gigantescas e alienantes no chamado Mobral, cujo grande feito foi ensinar os analfabetos a assinarem o próprio nome."
(Enciclopédia Encarta Microsoft, 1999)


Ensino Superior

Ensino superior
retalhado
pelos gangsters
da Educação

Era intensa a procura pelo ensino superior nos anos 60 e a administração militar encontrou a saída na privatização, já que decidira frear o investimento na escola pública e gratuita.

Abrir uma faculdade virou da noite para o dia um excelente negócio no início da década de 70 e deu espaço para verdadeiros gangsters do ensino explorarem esse "mercado".


A grande dificuldade era achar bons professores que se sujeitassem a trabalhar assim, nesse comércio de secos e molhados educacionais.

O Conselho Federal de Educação facilitava criminosamente a concessão de licença para funcionamento e credenciamento de cursos sem as mínimas condições.

Na cidade de S. Paulo encontramos alguns exemplos da distorsão verificada nesse campo. Um deles é a Faculdade São Marcos.

As antigas instalações de um seminário abandonado no distante bairro do Ipiranga abrigaram precariamente no início do negócio uma faculdade.

Com o grande lucro obtido e a proteção no período militar a "empresa" foi ampliando e diversificando os cursos oferecidos, incorporou imóveis vizinhos, construiu prédio e é hoje uma das universidades privadas paulistanas.

No Rio de Janeiro a Universidade Gama Filho tem história idêntica.

O governo militar recebia bem esse crescimento das escolas particulares pois ficava desobrigado de manter o ensino público e gratuito.

Com o subsídio oficial algumas "empresas" construíram autênticos campus verticais em prédios luxuosos. Quanto à qualidade do ensino... bem... sabe como é...faltam bons mestres e alunos com melhor nível...

As matrículas no ensino superior público eram de 75 por cento do total em 1964 e de 25 por cento dez anos depois com a multiplicação das faculdades particulares.

A conta desse descalabro com o ensino superior seria paga pelos "formandos". O mercado sabia muito bem da deficiência de um profissional formado nessas condições e dava preferência aos diplomas das faculdades e universidades tradicionais.

Conclusão - os jovens pagavam as caras mensalidades por cursos que não valeriam nada no futuro.


O Decreto Lei 477

- Era como estar numa cela na prisão. Só podia comer e dormir, e decorar o que o professor falou sem mudar nada, a gente devia praticar a autocensura 24 horas.

É assim a lembrança de um estudante, eu mesmo, no tempo do 477.

O clima de apatia e desespero durou 10 anos na escola secundária e na universidade brasileiras. O decreto-lei 477 travou os caminhos de todo jovem que estudava então.

Tudo o que era normal o estudante fazer essa lei não deixava: desenvolver o senso crítico, reunião, troca de idéias, presença em manifestações públicas, não podia nada disso.

O estudo sério na sala de aula não interessava, só se podia repetir o que o professor falou, mesmo que fosse absurdo e injusto, ou não se passava de ano nem se tirava o diploma.

O 477 definia como crime na escola pública e particular "aliciar, incitar ou participar de movimento que tenha a finalidade de paralisar a atividade escolar, participar de passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, imprimir, guardar, fazer ou distribuir material "subversivo" de qualquer natureza.

A pena para o estudante era de expulsão e proibição de matrícula em qualquer escola por três anos.

A punição com demissão também valia para funcionário, professor ou diretor, ficando impedidos de trabalhar em outra escola por cinco anos.

A apuração do "crime" era sumária e o acusado tinha 48 horas para defesa. Quem dirigia tudo era a DSi (Divisão de Segurança e Informação) do MEC, através de funcionário indicado pela escola.

Se o diretor do colégio ou reitor da universidade não concluísse a investigação 48 horas depois de recebida a denúncia, também era enquadrado nas penalidades do decreto, com demissão e proibição de lecionar se fosse professor.

Pela perfeição e requinte do mal, percebe-se o dedo do criador do AI 5 Gama e Silva na redação do 477.

Como ministro da Justiça de Costa e Silva, o professor Gama e Silva notabilizou-se por trazer sempre à mão o rascunho de um elenco de medidas de endurecimento da repressão política, o que acabou vingando em 13 de dezembro de 68 com a edição do Ato Institucional n 5.

( Costa e Silva disse ao general Olímpio Mourão Filho que quase teve ânsia de vômito ao ler a primeira versão do AI 5 de Gama e Silva, segundo o historiador Ronaldo Costa Couto)

A aberração do decreto 477 só foi revogada pelo Congresso em 79. Não se sabe quantos a "lei" alcançou. Para facilitar a aplicação, universidades introduziram as normas no próprio estatuto, como foi o caso da UNB.

Viva a Liberdade e a Democracia!